Queria uns óculos de ver ao perto a felicidade. De ver ao perto pormenores que se escapam aos meus olhos, que cedem à alma devaneante. Sim, estou sempre na lua ou a pensar em qualquer outra coisa. Gosto de fazer duas coisas ao mesmo tempo e, por isso, sou muito criticada pela minha mãe que acha que tudo deve ser feito com absoluta atenção e que, mesmo que a proeza, rotineira para mim, corra bem, o nosso cérebro desgasta-se. Eu respondia. Agora já não digo nada. Não lhe dou razão, mas também não a tiro. Será? Fazer duas coisas ao mesmo tempo é mau?
Faz-me falta não ter relógio. Isso ajudaria muito. Assim não teria de pentear o cabelo enquanto sorvo o café, de manhã e não teria de escovar os dentes com uma mão e arrumar a prateleira da casa-de-banho com a outra. Ler enquanto como é um prazer, não conta para a lista de coisas simultâneas. Costumava fazer isso quando andava na escola e a minha mãe não podia ir a casa nas horas de almoço. Assim podia ler à vontade por entre as garfadas. Ou podia dar garfadas à vontade por entre a leitura. Eu tinha cuidado, para não manchar as páginas e para não me deixar levar pelas palavras e perder as horas. Certo dia, fui surpreendida pela minha mãe, que resolveu sair mais cedo, logo depois das primeiras horas da manhã. Fui surpreendida pelos seus olhos, meio surpresos, meio condescendentes. Apenas abanou a cabeça, fazendo estalidos com a língua. Não disse nada, nem repreendeu.
Ao que parece, não tenho emenda. Ainda hoje repetem os mesmos conselhos e os mesmos raspanetes. Não sei porque persistem nessa ronda de coisas que não devia fazer, se eu já sei e apenas as faço porque sei que posso. Eu sei que não devia ler na cama, porque dá cabo da coluna. Sei que não devia ler enquanto almoço ou janto, porque distrai, porque pode sujar, porque as horas de almoço são para comer. Sei que me devia deitar mais cedo, todos os dias acordo a pensar nisso, mas ao fim da tarde ainda tenho um rol de coisas para terminar e, de repente, a noite torna-se mais curta, não sei como nem porquê. Também sei que não devia atravessar a rua quando ainda está vermelho para os peões, mas não o consigo evitar quando não há carros há vista; no entanto nunca o fiz quando vou com o meu afilhadito, para dar um bom exemplo. Os fumadores também sabem que não deviam fumar, mas fumam. Enfim. Fazemos porque queremos, porque achamos que somos crescidos, porque não nos importamos com o que os outros pensam, porque nos apetece. Fazemos e pronto.
Também gostava de não andar sempre na lua. Isso não consigo evitar, porque depressa me deixo levar pela imaginação, mundos paralelos e realidades alternativas. Custa tanto viver o mundo como ele é! Demasiado trágico ou demasiado entediante, com demasiadas pessoas ou com pessoas a menos. Antagonismos à parte, apenas me sinto bem de noite, depois de me despir de tudo o que não seja eu, enquanto tento relembrar aquele sorriso, aquele abraço, aquele momento, ou tento pensar no que vou sonhar e influenciar as escolhas do subconsciente.
Talvez pense demasiado. Deveria não pensar? Ser mais impulsiva? Tenho os meus dias, assim como as páginas do meu diário que foram perdendo o hábito de serem manuseadas e escritas, e algumas escritas e amarfanhadas, e algumas garatujadas de pensamentos inquietantes que rasgava, pensando que o que estava a rasgar eram os sentimentos. Tantos segredos apagados, tantos escondidos sob as páginas, sob a tinta da caneta permanente, aquela que o meu padrinho me ofereceu num estojo de aspecto caro, quando fiz 18 anos e que ainda é o meu orgulho.
Hoje espero que me ofereçam os óculos, aqueles de ver ao perto a felicidade. Por vezes está tão longe, que nem fazendo das mãos palas para proteger os olhos do sol a consigo ver. Por vezes está tão apagada dos olhos de quem me rodeia que sinto que talvez deva, eu, pintá-la nas íris de quem gosto. Por vezes sinto-a tão desfocada que me pergunto se… preciso dos óculos ou se tenho é de fechar os olhos à melancolia.
Parece-me que andam todos tristes e raramente vejo sorrisos. Apenas suspiros que caminham pelas ruas, mãos nos bolsos ou a segurar malas, pastas ou casacos. É o que me parece enquanto percorro uma rua enorme e cheia de lojas. Vejo o professor de imprensa de braço dado com uma jovem. Deve ser a mulher. Até ele me parece mais tristonho, na sua gabardina escura e andar característico.
Uma vez disseram-me que as cores influenciam muito os estados de espírito. Hum, penso que vi qualquer coisa sobre isso na matéria da cadeira de semiótica, ai o pesadelo de quase todos os estudantes daquela faculdade e o alívio resoluto de quem já passou, isso das cores. As cores monocromáticas mais escuras têm o poder de deprimir as almas alegres. Deve ser por isso. Deve ser da cor do céu, aquele pardo que torna os dias mais curtos e as horas mais apressadas.
Delicio-me com o final de tarde com a Wiwi, saboreando doces rituais, pela segunda vez esta semana, e fazendo palavras cruzadas junto às chávenas fumegantes, aquele chá de chocolate que cheira a outra coisa qualquer, mas que sabe bem, goles quentes na tarde fria. Foi um dia cheio e atribulado, nos jardins do Palácio de Cristal, quem me dera ter tirado fotos, mas fica para amanhã, na próxima dose de filmagens. Talvez estejamos todas de bom-humor, se o tempo ajudar e o relógio não acelerar os minutos.
E agora apenas completar apontamentos de pormenores exorbitantes, factos mais ou menos interessantes, que pouco têm a ver com jornalismo, mas teoria muito teórica também é precisa para aliviar de toda aquela correria trabalhosa e horas em frente aos computadores, capturando valores-notícia. Não me vou queixar, apenas suspiro perante as palavras que tão bem recordo das aulas. Este é o mês das preocupações e das pautas.
8 comments:
Luninha, que vunito ^^
Hum, estou a ver que continuas com as filmagens da curta-metragem... que atribulada a tua vida... ao menos é suficientemente preenchida para te queixares. Se tivesses menos coisas para fazer estarias mais entediada...
Pergunto-me onde vais buscar inspiração pa escrever assim tão bem e tantas vezes... invejo a tua imaginação. deve ser da prática que lhe dás ao não viver o mundo como ele é? xD
Gosto muito de ler o que escreves! Bonito, singelo, pessoal e transmissível :)
O melhor no final do meu dia é chegar a casa, sentar-me e ler o que escreves... imagina que o teu escritor preferido te deixa sempre páginas de pedaços de estória na tua caixa de correio e quase todos os dias podes ler uma parte e ele continua a escrever e a deleitar-te...
Maravilhoso texto, com um grande final!
Continua com a cabeça na lua e a sonhar, para continuares a escrever estes maravilhosos textos!
P.S: Enquanto te lia, caiu-me uma ervilha para o teclado :) Lol
Beijos
Fantástico querida amiga...acho que os tes textos merecem um livro...
Ergui-me ao vento na tua procura
Fundi um abraço com o sol da tua ternura
Modelei o amor com as palavras mais belas
Curso de errante espírito na tua procura
Porque o pensamento é voo de milhafre
Aprisionado em gaiola de palavras
O infinito e o incomensurável
Volto ao encontro das tuas profundas mágoas
Bom fim de semana
Mágico beijo
Estar na lua é bom. É o nosso mundo, a nossa utopia, o nosso sonho e o nosso paraíso.
Fazer duas coisas ao mesmo tempo é ainda melhor! Nada como não perder tempo! (percebo-te perfeitamente)
Ler na cama sabe mesmo bem, apesar de fazer mal à coluna, mas sabe mesmo bem.
Atravessar a rua quando o sinal está vermelho é de pura adrenalina (lol) - ou não. Estamos entre o perigo e a salvação... (lol) - desgraça!
Enfim.. acaba tudo por ser bom! :P
Beijinhos
olá,
Se.....Se..Se,
Porquê, tantos «ses»,a vida é assim mesmo, agora o q é importante é deixar q a vida nos absorva e planar, planar, até q as asas da nossa imaginação doam....
agora o resto é o resto, e se conseguirmos viver sem atrolelar as liberdades dos outros, a nossa vida aos outros não diz respeito, cada um pensa e vive como quer...
o chá de chocolate é bem bom , realmente o aroma é de outra coisa qualquer ,mas é chama ,para dias assim, eu também já o bebi aos sorvos, com alguém muito especial...........
vive um dia de cada vez , mas intensamente, e faz sempre uma pausa para um cházito...
fica bem
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