quantos indecisos andam agora por aqui

Monday, August 04, 2008

A solidez dos dias

"É senti-me quentinho", disse ele a definir o amor. Depois de ter subido ao Mosteiro de Santa Luzia, que fica no cimo de uma elevação, constatei que é o equivalente a debruçar-me na amurada, espreitar para o chão e alguém segurar-me a cintura para não cair. Sim, é isso o amor ou talvez apenas a paixão, alguém a agarrar-nos para não cairmos no precipício da solidão e da rigidez de uma alma sem sentimentos. Ou talvez isso seja apenas o fulgor dos momentos iniciais, os primeiros toques e os olhares subreptícios.

Olho pela janela, naquele refúgio campestre, no meio do nada mas com mais significado do que o tudo que me preenche os dias nesta cidade; vejo arvoredo e campos sem ninguém e imagino que estou numa realidade paralela. Se calhar estou mesmo. Saímos lado a lado, somos nove e cabemos na carrinha do S., onde nos protegemos do frio agreste da noite quase madrugada, as minhas pernas estendidas num cobertor, com a saia estendida sobre os joelhos e as piadas que conto, com a respiração a formar um fantasma que se dissolve no ar. Parece que os conheço há anos. E depois há o café, os gelados e os poemas que rimam como pano de fundo. A dança contemporânea, as pipocas demasiado quentes, um homem com uma câmara de filmar, as mudanças mal metidas do carro da M., o rapaz da Polónia que fala inglês com uma pronúncia estranha e me pergunta de onde venho e para onde vou, a pausa para o cigarro, o sumo com uma palhinha à minha escolha, o barman simpático que me consegue uma palhinha cor-de-rosa, sabe-se lá onde a foi desencantar, e eu que estava só a brincar, a mesa com quatro pernas que devia ser uma mesa pé-de-galo, o JN enrolado debaixo do braço, uma personagem do passado, sorrisos cúmplices de quem partilha um tempo e um espaço, a carrinha com as janelas embaciadas, nove lá dentro a contar estórias, o S. comovido pelo seu aniversário, as bebidas grátis do barman por ele fazer anos, o voltar para casa e pegar o gatinho ao colo, ele que é do tamanho da minha mão, o enterramo-nos na cama e dormir profundamente e acordar de manhã com cheiro a torradas e café. E lá estou eu outra vez a contar as coisas de trás para a frente.

"Happiness is a sad song..."

5 comments:

Anonymous said...

Querida Luna,
o amor e a paixão, apesar de diferentes, têm em comum o facto de serem feitos de momentos como esses. a principal questão, no final de contas, é se estamos dispostos a mergulhar de cabeça nesse mundo paralelo imprevisível. o equivalente a atirarmo-nos do alto do mosteiro com alguem a segurar-nos pela cintura.

Anonymous said...

Discurso apaixonado, caro anónimo. Será que estamos todos dispostos a mergulhar num precipício e enfrentar o medo das alturas?

Liliana Carvalho Lopes said...

Como sempre um texto que se lê num ápice e com um sabor doce...

Passa no meu blog, há novidades para ti ;)

Beijo**

m said...

"Sim, é isso o amor ou talvez apenas a paixão, alguém a agarrar-nos para não cairmos no precipício da solidão e da rigidez de uma alma sem sentimentos" that's it ;)

Anonymous said...

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