Devaneando

As mulheres, cabelo desajeitado pelo vento e roupa confortável sobreposta por casacos compridos, conversam animadamente sobre temas banais. Mãos nos bolsos, ou braços cruzados ao peito para absorver o calor, riem-se com os seus dentes brancos e subtraem das conversas todos os problemas domésticos que as tornam escanzeladas e lhes pintam manchas escuras debaixo dos olhos - das noites mal dormidas pelo choro dos seus bebés. Participo daquele clube, mesmo tendo tão pouco em comum com elas. Falamos sobre o tempo e contamos piadas. Tranformamos a vida suburbana em traços de conversas e embelezamos com humor todos os pontos negativos, como o decoro aconselha. Os lábios secos pelo ar gelado e a pele alva, a pele do pescoço exposta por entre os cachecóis e o verniz das unhas a perecer: são assim as jovens mães à espera dos seus filhos à porta da nursery. Aguardamos impacientemente, para nos refugiarmos no interior das nossas casas, ao lado do aquecedor central, chávena de chá com um pingo de leite e um biscoito com passas, a panela do jantar a fervilhar na cozinha.

São pedaços de estórias(s) que guardo na memória. Os casamentos de amigos ou familiares, os conselhos fraternais, as dicas e os truques, o calão que fui aprendendo, as compras com as amigas, os cafés na baixa da cidade, as festas do momento, os nomes dos filhos, o carro que foi para arranjar, ideias para o jantar, programas de televisão de que nunca tinha ouvido falar, músicas e filmes, estreias de teatro, problemas no trabalho, cantigas de embalar que embalam também quem canta. Reminiscências de uma vida que ficou para trás, com as quais aprendi a construir um refúgio solitário no cantinho da memória.

"Happiness is a sad song..."