quantos indecisos andam agora por aqui

Friday, April 10, 2009

solitude



Hoje apetecia-me ficar a olhar para chuva a noite toda. A lua escondida pelas nuvens arroxeadas vai espreitando de quando em quando, deixando no ar uma poeira prateada que só tu e eu vemos. E nós, enroscados em sonhos e bebidas quentes vamos interrompendo o silêncio com pedaços de conversa que não nos levam a lado nenhum, mas que nos asseguram de que tudo isto não é uma ilusão. E a respiração entrecortada fica gravada nos vidros, que rasgamos com desenhos infantis de sorrisos exagerados e sóis e barcos em mares revoltos.

Hoje apetecia-me que fosse domingo, porque os domingos são bons dias para divagar e perdermo-nos no tempo. Nos domingos levantamo-nos tarde e quando nos encontramos trazemos nos olhos o calor dos lençóis e o brilho dos sonhos que nos acompanharam nessa longa viagem de mais de oito horas. Aos domingos não faz mal ser-se preguiçoso. O dia passa mais depressa, mas as horas escorrem devagarinho como uma música calma. Podemo-nos encontrar num ou outro café e ficar a olhar para o ar ou para chávenas fumegantes ou para as palavras desenhadas em páginas espessas, sem ler realmente ou esforçarmo-nos para isso. Os domingos sabem-me bem.

Hoje apetecia-me que não existissem distâncias nem saudades. Hoje e todos os dias, para dizer a verdade. Assim podíamos estar sempre junto(s). Entregaríamos as cartas em mãos. Podíamos lê-las frente a frente, com a entoação certa, com as expressões certas, com explicações detalhadas. E os postais saberiam melhor se pudéssemos explicar com os dedos os sítios onde já estivemos, o que vimos por lá, as pessoas que conhecemos.

Hoje apetecia-me que a lua não se escondesse. Protegidos por mantas, imagino os nossos vultos num qualquer lugar de onde se visse o mundo, mãos dadas para as aquecer e em silêncio, ou ao som de músicas que se prendem à memória. À luz do luar é tudo muito mais bonito e os sonhos vêm à tona, como nenúfares que flutuam lentamente. À luz do luar podemos ser quem somos, sem duplas personalidades ou ilusões desnecessárias.

Hoje apeteces-me. Porque sim. Talvez porque me sinto sozinha. O que é parvo porque estou rodeada de gente. Mas apetece-me estar rodeada de pessoas. E apetece-me estar rodeada de ti. Apetece-me que sejas um mar de reencontros, cheio de ondas e marés. O meu mar, as minhas ondas, as minhas marés. Hoje apetece-me ser possessiva, querer-te só para mim. Só hoje.

Apetece-me, hoje, ouvir música pela noite fora, até me doerem os ouvidos e a cabeça. Aumento o volume e escuto as batidas bem próximo do coração. Esqueço a chuva e esqueço as palavras. Esqueço-me de ti e de mim. E mergulho naquele mundo só meu. Aquele em que só entra quem tem a chave de cristal.

Hoje apetecia-me não sentir-me assim, entediada. Aborrecida. Com tudo. Com as palavras que fogem de mim. Entrego-me à caneta e ao papel e o que me resta é o espaço em branco, com as linhas paralelas a troçar de mim. Escrevo um ponto final que me fixa com os seus milhões de átomos de tinta. E fico-me por aí. Um ponto final, que termina com a imaginação. O ponto que podia saltitar alegremente para fora do papel, se o tivesse escrito no meu mundo. Aqui, neste, é tudo muito mais rígido e vazio. Restrito ao que é lógico, ao que é entediante, ao que é condescendente.

Hoje apetecia-me fugir para bem longe. Apesar de detestar as distâncias. Se fosse, escrevia-te uma carta sem esperar uma resposta. Talvez escrevesse pelo caminho, com os buracos da estrada a estragar a caligrafia, a tinta preta a escorrer da caneta sem um ritmo definido. Páginas e páginas que talvez deitasses fora ou ao fogo sem sequer ler. Não importa, realmente. Só queria que a recebesses e sentisses no peso das páginas o quanto sinto a tua falta. Que é para isso que servem as cartas.

Hoje apetecia-me que não me apetecesse nada. Queria agarrar de um livro e esconder a cara numa qualquer página que me levasse para fora daqui. Recostar-me na almofada e sorrir sem dar por isso. Rabiscar a ponta da página com um lápis, sublinhar frases que me arrepiam, conversar com as palavras.

Hoje apetecia-me enroscar-me na cama e esperar por amanhã. Deixar-me levar pelos sonhos e pela música da noite. Deixar que o tempo passe sozinho, sem ter de o empurrar.

Hoje só me apetecem coisas impossíveis...

"Happiness is a sad song..."

1 comment:

Sandra said...

"Hoje apetecia-me que não existissem distâncias nem saudades" ... Também a mim Luna, também a mim. Sabes que mais? Nestes dias assim, o melhor mesmo é ficarmos no "nosso mundo" porque lá só os que verdadeiramente nos entendem entram, e não estamos sujeitas a coisas que não queremos naquele dia.
Mas dias melhores hão-de vir, vais ver! E agora toca a animarr Luniinha :) váá..

Beijinhoss *