quantos indecisos andam agora por aqui

Friday, October 09, 2009

nada de nada

em dias frios sabem melhor os ritmos quentes, sabem a abraço ou a mantas de flanela, o que nos dias quentes é despropositado, mas na verdade os ritmos dão bem com tudo se os soubermos adaptar ao tempo que vai mudando ao sabor de uma engrenagem invisível. quando tenho a minha pequena e branca grafonola digital quase no máximo, com o Surprise Hotel de Fool's Gold a atirar pancadinhas para os tímpanos, e o vento escorre pelos cabelos parece-me que estamos noutra estação qualquer. noutro tempo qualquer também. cá voltamos ao desbloqueador de escritas do costume, não?

pois que não, que hoje acordei especialmente inclinada para falar sobre nada em especial, o que não abrange os temas de circunstância, que usamos com desconhecidos que simpaticamente apelidamos de conhecidos ou vizinhos, tipo "parece que chegou o inverno e vem aí uma carga de chuva" ou "dizem que o x é que vai ganhar as autárquicas este ano, vamos lá a ver que promessas é que vão ser cumpridas". foi assim o dia todo, a vontade de nada, como se o meu pequeno mundo fosse demasiado, o que na verdade é verdade. não houve as costumeiras cotoveladas ou acenos de cumplicidade, os habituais versejos indisciplinados a mascarar verdades cruéis, as usuais trocas de comentários; só houve cafés, porque é preciso combustível para drenar as palavras do cérebro quando elas teimam em querer manter-se no conforto da massa cinzenta. não sei como é que agora estou a escrever, sem assunto ou sobre estas coisas corriqueiras.

mas não, hoje quero escrever sobre nada, que é exactamente aquilo que mais confusão me faz, porque sempre me assustaram vazios ou coisas ocas. e depois perguntam-me, mas quem é que te disse que o nada é vazio ou oco? e eu fico sem resposta. nada. vazio. oco.

hoje deram-me um caderno, com argolas e muitas folhas amarelecidas, de papel semi-reciclado, com a capa a gritar publicidade a uma empresa que me é desconhecida, e eu fitei os pontinhos que indiciavam um passado de cartões e relatórios e recibos, tudo aquilo numa única folha que já tinha sido muitas outras folhas, e fitei e fitei e fitei e pensei que o nada é uma coisa demasiado vaga. depois perguntaram-me, em que pensas? e eu respondi, penso na definição de nada; e depois perguntaram-me, e chegaste a alguma conclusão?; e eu respondi, acho que sim; e a outra pessoa arregalou os olhos e meneou a cabeça para baixo, como que dizendo para eu partilhar os meus pensamentos. e eu apontei para a folha do caderno novo, ou melhor, reciclado e disse, vês isto? isto é nada. e do outro lado perguntam-me, mas então o que é o nada?; e eu respondi, é exactamente isso, coisa nenhuma.

e ficámos por aqui, porque entretanto o tudo caiu-nos em cima.

"happiness is a sad song..."

4 comments:

Anonymous said...

Absolutamente divinal!

Sandra said...

sabe tão bem ler-te :))))!!
beijão minha gémea*

Only Me said...

Já tinha saudades dos devaneios sobre tudo e nada
Obrigada pelos momentos de reflexão e descontracção.

Beijinhos

Anonymous said...

ainda pior que a convicção do não é a incerteza do talvez e a desilusão de um quase.
é o quase que me incomoda. que me entristece. que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
quem quase ganhou ainda joga. quem quase passou ainda estuda. quem quase morreu está vivo. quem quase amou não amou. basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos. nas chances que se perdem por medo. nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. pergunto-me às vezes o que nos leva a escolher uma vida morna. ou melhor não me pergunto. contesto. a resposta eu sei de cor. está estampada na distância e frieza dos sorrisos. na frouxidão dos abraços. na indiferença dos "bom dia" quase que sussurrados. sobra covardia e falta coragem até para ser feliz. a paixão queima. o amor enlouquece. o desejo trai. talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor. sentir o nada.
mas não são.
se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. o nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance. para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém preferir a derrota prévia e duvida da vitória e desperdiçar a oportunidade de merecer. para os erros há perdão. para os fracassos, chance. para os amores impossíveis, tempo. de nada adianta cercar um coração vazio ou economizar a alma. um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
não deixo que a saudade sufoque. que a rotina acomode. que o medo impeça de tentar. desconfio do destino e acredito em mim. gasto mais horas realizando que sonhando. fazendo que planejando. vivendo que esperando.
porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

Mimos
Jace