silêncio

o tempo passa muito mais devagar quando não está ninguém aqui. em Agosto, quando todos foram de férias e eu comecei o meu contrato foi mais fácil. o calor facilita as coisas, deve ser isso. o que custa mais é o silêncio, que fica sempre como ruído de fundo, mesmo quando dou por mim a falar sozinha ou atendo o telefone. está sempre lá, como um zumbido incómodo. o último dia do ano costuma ser feito de retrospectivas, lembranças, desejos pensados para serem formulados junto com as doze badaladas, últimos preparativos e uma leve excitação por saber que todo o mundo vai celebrar uma mudança. no tempo, nas metas, nos objectivos, na vida. nos meus próprios pensamentos, o silêncio está lá.

a manhã vai-se levantando em sol a pouco e pouco, enquanto a chuva insiste em fazer pequenas visitas que deixam por toda a serra farrapos pardos que escurecem a luminosidade e fazem brilhar a vegetação e o chão sarapintado de gotas. o tempo passa mais depressa quando não reparo no tempo que demoram os comboios a passar - umas vezes mais do que quinze minutos, outras vezes mesmo a horas, outras vezes adiantados. não param de passar, em direcção ao Rossio ou acabados de chegar daí, cheios de gente ou quase vazios. há também problemas no pequeno parque de estacionamento das traseiras, há sempre alguém que aproveita mal o espaço e há sempre alguém que resolve fincar a mão na buzina e há quase sempre um barulho insistente que quebra o ar e se sobrepõe ao som do comboio e há sempre insultos e vozes de contestação e há sempre, também, vozes apaziguadoras que silenciam a confusão. lá em baixo, na loja, clientes ainda aparecem e vão desejando boas entradas e fazendo estardalhaço e movimentando o dia. 

há barulho em todo o lado e tanto silêncio aqui dentro. gosto disto assim, mas prefiro pessoas à minha volta. fico com dúvidas, mas tenho quase a certeza de que detesto a solidão. mas dantes adorava. não sei definir o "dantes", se calhar é melhor substituí-lo por "passado".

no passado adorava o silêncio, agora acho que não.

"happiness is a sad song..."