quantos indecisos andam agora por aqui

Monday, November 27, 2006

Alice no País dos Horrores

Alice caminhava descansada, cativada pelo som e pelo movimento da rua escura. Foi ele, o Desconhecido que a seguiu com os olhos e que foi atrás do seu cheiro a jasmim e a pão doce, que se espalhava pelo ar quente e conturbado.

Mas foi Alice que depois o prendeu no seu feitiço, a pequena Alice, a ingénua e doce rapariga que tinha ido fazer um recado ao seu pai, que tinha ido comprar um maço de cigarros (daquela marca que não conseguia pronunciar), mesmo ali, ao virar da esquina, ali tão perto, ali, onde os vizinhos a conheciam.

Foi ali, tão perto de casa que o Desconhecido segurou no seu pequeno braço e a arrastou para um beco onde a luz falhava segundo sim, segundo não. Foi ali que o Desconhecido apreciou a beleza da pequena com os seus dedos grandes, brutos e rudes. Foi ali que tocou na pele frágil e rosada de Alice, levando-a embora do País das Maravilhas. Foi ali que o Desconhecido deixou-se seduzir pelo encanto da jovem menina, foi ali que as emoções falaram mais alto. Foi ali que lhe rasgou o vestido azul, deixando o pequeno ser exposto à fraca luz. Foi ali que Alice derramou lágrimas amargas de quem não tem noção do que lhe estava a acontecer. E foi ali que foi corrompida pelo terrível Mal das estórias de embalar. O Lobo Mau, a Bruxa Má, o Bicho Papão. O Homem Mau, o Desconhecido levou-lhe a pureza e deixou-a deitada no chão húmido e porco, derramando o sangue da inocência.

Alice ficou sozinha, procurando respostas para as perguntas que ainda não tinha. Tapou-se com os restos do seu vestido e procurou o papelzinho com o nome do maço de cigarros que o seu pai queria. Olhou para si própria, para o vestido sujo e rasgado, para as pernas cheias de arranhões por onde escorria um fio de líquido vermelho e quente e decidiu ir para casa.

Alice tinha dez anos e acabara de descobrir o País dos Horrores…

1 comment:

Liliana Carvalho Lopes said...

Wow... Texto espectacular... uma triste temática, mas abordada de forma única, como só tu sabes fazer**