"O coração, se pudesse pensar, pararia.
Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também".
Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também".
(Bernardo Soares in Livro do Desassossego)

Considero que a vida é uma estalagem que protagonizaria um livro chamado "Estalagem do Terror"... não me sento à porta, mas fico à janela e quedo-me, olhando para fora, imaginando o que se encontra por detrás dos muros que tapam até o horizonte. Canto para mim, como ele, e escrevo alegremente, o livro da minha vida, com aquela caneta que não pára o seu percurso de curvas que se entrelaçam por cima das páginas brancas do destino, já com marcas invisíveis traçadas. Não tento entreter ninguém, apenas escrevo para mim própria.
Talvez tenha demasiado medo de me esquecer das coisas mais importantes... por isso escrevo tudo e assim posso reviver os bons momentos e aprender com os maus... mas esses deviam ficar trancados na caixa escura, dentro do guarda-roupa...
"Happiness is a sad song..."
1 comment:
:) Perfeito. Adoro Fernando Pessoa e o Livro do Desassossego é brilhante.
Gostei do post, das palavras citadas, especialmente das tuas palavras...
Escreve por escrever.
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