quantos indecisos andam agora por aqui

Friday, November 23, 2007

Guardado na gaveta...

Ponho os olhos no calendário e não me agrada o que vejo.

Alguém rasgou páginas. Faltam dias. Faltam demasiados dias e não é possível que tenham passado sem eu dar por eles. Eles nunca passam por detrás de mim, passam à minha frente e acenam em tom jocoso. Escarninho e ironia.

Desta vez vieram em em bicos dos pés, sem fazer barulho. Não se riram da minha desorientação. Não esperaram que eu reagisse. Misturaram-se com o ar, vezes e vezes sem conta, vinte e quatro horas após vinte e quatro horas.

Não. Eles não fazem isso. São exibicionistas e gostam de ver o pânico nos nossos olhos, os dedos a fazer contas, revendo o tempo que passou, ou as exclamações que não se conseguem conter. Gostam de ver o medo. Pessoas a apressarem o seu trabalho, correrias e stresses medonhos, ansiedade e lágrimas de frustração.

Alguém deve ter arrancado páginas ao calendário. Onde está o dia de ontem? Não me lembro o que fiz, não me lembro com quem estive. Talvez tivesse adormecido durante o dia inteiro. Talvez tivesse estado inconsciente a semana passada. E na semana anterior.

Tiro o calendário da parede. Talvez não esteja correcto. Se calhar veio com defeito. Olho para os dias uma vez mais. Está tudo errado. Na hora anterior tinha estado a tomar café. Na hora anterior a essa tinha estado a terminar um trabalho importante. Na hora anterior a essa tinha estado a... não me lembro.

Não. Apercebo-me que, na realidade, foi a minha mente que veio com defeito. Falta-lhe a habilidade para contar o tempo que passa. Porque quer ficar onde sempre esteve, não quer mudar. Não quer envelhecer nem esquecer-se das coisas. E para isso, esquece-se dos dias.

Sim, vim com um defeito. Não consigo fazer o tempo parar como quero e a única solução que encontrei é não dar pelo tempo passar. Ele corre, como um rio e eu sou uma pedra. As águas desviam-se de mim, nunca me atravessam. E eu persisto, presa àquele tempo.

Não me importo. O tempo passa mais lentamente a quem dele se esquece...


"Happiness is a sad song..."

5 comments:

Anonymous said...

Ai meu deus... já paravas de publicar coisas... eu bem que me queixei que nunca mais punhas nada e agora desforraste...
Para a próxima fico calada xD

Mas gostei, gostei muito. É pena que tenha ficado guardado na gaveta durante tanto tempo...

Anonymous said...

Cheira-me que o facto deste textinho ter saído da gaveta neste momento não é coincidência...
Eu conheço-te! Pronto, ou não, já uma das irritaçoes do post anterior era "Irrita-me pessoas que pensam que me conhecem apenas porque se sentem familiarizadas comigo ou com os meus pensamentos."

Raistlin The Wizard said...

De nada me adianta dizer seja o que for quando o que quer que diga já não é presente mas sim passado que se encontra a ser verbalizado no presente mas que logo se torna passado de novo...

Anonymous said...

Bonito... ^^

Chellot said...

Assim é o tempo quando lhe damos importância ele se arrasta feito lesma, mas quando o esquecemos ele desaparece na velocidade do pensamento.

Beijos de Sol e de Lua.