Janela (In)discreta I

[o dia amanheceu gelado, estático, perturbador. O céu azul fazia enganar os que simplesmente olhavam pela janela. As baforadas de ar que condensavam à frente das pessoas denunciaram a brisa gélida que fazia tiritar as crianças que passavam e lhes dava beijos que marcavam as suas faces de rosa]




[as cores outonais voaram da paleta, enfim, e o peso do ar carregou os passeios de folhas secas e e rebeldes, que formavam redemoinhos por causa do vento que queria dançar]




[cor e movimento, uma rua comprida, mas estreita aos olhos de quem passa... demasiado para olhar, demasiado para notar, demasiado para não ignorar... só podia ser a Rua Miguel Bombarda... a "Soho" portuense, a "Rua das Artes"...]




[as pessoas não param de chegar... olhares curiosos e vagueantes... sobrolhos carregados... percepções da imaginação de artistas... imagens chocantes, imagens intrigantes, imagens imperceptíveis, imagens profundas... cores que se movem, olhares que não se mexem... sombras coloridas, pessoas cinzentas... pensamentos no ar...]



[era Bach que saía do violoncelo... a rapariga sorria, condescendente, como se soubesse que, sim, música também é arte e combina bem com pintura... um jardim de bonsais atrás dela, parecia descansar sob o ar pesado de frio...]




[miniaturas com tão grande magia... suaves e discretas, transmitem calma e paz... música e bonsais... um suspiro meu, um "o" de exclamação de alguém ao meu lado...]



E de manhã... Germano Silva... na Livraria Académica...



Algumas horas rodeada de livros, com um homem que assim que entrou, invadiu a loja com o sorriso dos seus olhos e com a calidez das suas palavras... não foi jornalismo, não foram perguntas... foi uma simpática conversa que vai ficar gravada na minha memória... ainda há pessoas íntegras que acreditam na poesia da escrita e na bondade dos homens... e nos dão esperanças de futuro, mesmo que o horizonte pareça demasiado longínquo...


"Happiness is a sad song..."