Estou de volta

Cresci? Crescemos? Hoje falamos das mesmas coisas de que sempre falámos, mas temos muito mais para dizer ou pelo menos opiniões diferentes. Tudo pode mudar num espaço de tempo que nos parece curto, mas que é demasiado grande para que nos possamos aperceber disso. Confuso? Sim, estou. Estamos. Esqueço-me sempre de que, quando nos encontramos, é o “nós” e não o “eu”. Foste tu que insististe, porque por mim não generalizava. Nisso somos diferentes.

Hoje acordamos ao som do mesmo despertador, lemos os mesmos jornais e as mesmas revistas e os mesmos escritores, tentamos imitar os grandes pensadores e acabamos por ficar enredados no labirinto dos nossos próprios pensamentos. Nisso somos quase iguais.

Mas hoje eu cresci e estou longe do sítio onde sempre estive. E por isso ainda cresci mais. Não foi por querer, foi por necessidade. Aos vinte anos de idade é suposto semear qualquer coisa, para depois colher. Uns namoram mais, outros menos, uns estudam mais, outros menos, uns trabalham mais, outros menos, uns acabam por crescer mais, outros menos. Nós aparentemente estamos na mesma. No entanto, há algo na postura, na voz, nos olhos. Uma confiança que não existia, uma maturidade que amadureceu, sonhos realizados e segredos no bolso?

A verdade é que me assusta o tempo passar tão depressa. Lembro-me daquele escritor que disse que depois dos vinte e um estamos numa fase decisiva. Se continuamos a escrever depois dessa idade, é provável que tenhamos alma de escritor. Lembrei-me disto no carro, no outro dia. Enquanto indagava e me questionava, será que ler no carro desloca a retina como se diz?, será que ainda vou ao cinema esta semana?, apercebi-me que já passei dos vinte e um e continuo a escrever. Fiquei feliz? Triste? Nem sei.

Hoje tomamos decisões importantes. Muitas delas podem mudar o futuro que sonhamos ter. Para melhor ou para pior. Amanhã começa o estágio e estou nervosa, mas ao mesmo tempo expectante. Será que ainda há muito para aprender? Sim, sempre e cada vez mais. E mais e mais e mais. Hoje gostas de Charles Dickens e eu de Virginia Woolf, gostas do café sem açúcar e eu do café com meia colher de açúcar, gostas de rum com coca-cola e eu de coca-cola com rum, gostas de dormir e sonhar e eu de sonhar acordada; sonhas em ler todos os livros do mundo e eu contento-me com alguns, sonhas em viajar por alguns países e eu em viajar por todo o mundo. Foi só isto que aprendi? Claro que não. Mas já te disse que gosto de poupar espaço e não digo tudo de uma vez. Gosto de saborear as palavras da mesma forma que saboreio um chá ou um bom vinho.

Já te falei da quantidade imensa de pessoas que tenho conhecido? Tirando os amigos que fiz aqui no Porto, juntando os conhecidos e ainda os amigos de uma amiga, estou a ficar sem memória no telemóvel e sem tempo para todos. Sempre sonhei ter muitos amigos depois dos vinte. Também sonhei já ter escrito um livro por esta altura, mas dedico-me a escolhos apáticos que derrubo com demasiada energia e dedico-me a resolver os problemas dos outros e a menosprezar os meus, nisso não mudei, e vou gastando as palavras em trechos que amachuco por entre os dedos e acabando com as canetas bic pretas cuja tinta se esvai naquela caligrafia que me parece cada vez pior.

Hoje o que fica são os passeios por Sintra, nenúfares por entre o nevoeiro, a praia e as mãos dadas, os pés na espuma das ondas, as conchas que ainda guardo na gaveta do fundo, as expressões que se agarraram à língua e os lanches improvisados e os piqueniques prolongados por tardes inteiras, até ao pôr-do-sol. Fica muita coisa.

Amanhã começo uma nova etapa. Somos todos tão crescidos! Estamos todos tão empolgados! Eu não sei o que sinto, apenas o que penso. Vou dormitando nas palavras e decorando pedaços de Virginia Woolf e invejando cada pedaço de alma que ela deixou para trás. Minto quando digo que não sonho ler todos os livros do mundo. Minto descaradamente.

"Happiness is a sad song..."