Subi a rua a custo, o calor do céu porque o sol hoje tinha de mentir e aparecer para nos dizer que vai vir sempre, mala a cair do ombro como habitual, pensamentos noutro lado qualquer, para não variar. A lembrar-me do incidente com a mesma saia que trago, naquela mesma rua, mas em sentido contrário, e a rir de mim própria, e a evitar os homens das obras para não me rir mais.
Sempre me surpreendeu o conservadorismo fora de moda das pessoas e os olhares de lado ou os resmungos despreocupados, mas hoje estou naquele estado, o estado zen de quem termina o dia quando o sol vai a meio na sua trajectória, por isso sorri. Dois homens altos, morenos, no passeio do outro lado da estrada, calças justas, blusas apertadas, batom vermelho, óculos xl, andar caricato nas suas sandálias abertas e de salto super alto, cabelos esticados ao vento. Reparei em olhares de reprovação dos transeuntes, mas os dois pareciam até contentes e acenaram. Quando olharam para mim, a olhar para eles e a sorrir, aquele sorriso que por vezes me assalta quando me estou a recordar alguma coisa e não estou a olhar para onde estou a olhar perguntaram, gritando “Você é brasileira?” e eu acenei negativamente ao que um deles sussurra alguma coisa ao outro e esse outro olha para mim e pergunta onde eu comprei as minhas botas ao que eu respondo que as comprei na Vertigo ao que os dois me sopram um beijo pelas palmas das mãos, as pessoas a olhar para mim como seu eu fosse cúmplice de um crime hediondo, ao que eu correspondo com outro desses beijos que se perdeu pelo ar.
Não são os primeiros nesta semana que ainda agora começou, a perguntar-me se sou brasileira e por isso olho o meu reflexo nas vitrinas e tento recordar-me das telenovelas da Globo. Não, não me pareço com ninguém das telenovelas… à minha frente uma criança no colo de alguém a olhar fixamente para mim. Costuma acontecer algumas vezes, deve ser porque tenho o cabelo todo no ar, penso eu, e ela oferece-me um daqueles sorrisos de criança que me faz lembrar os desenhos animados japoneses, por causa dos olhos grandes e brilhantes e da bochechas rosadas.
Lembro-me da noite de ontem, no Gato Verde, em boa companhia, para ver o quarteto Jo Simões, a beber cappuccino (sem rebuçado desta vez) e a conversar. O espaço parecia mais apertado do que o habitual, as mesas quase juntas umas com as outras, as pessoas como se partilhassem da mesma mesa, as frases e as entrelinhas misturadas e a música ambiente. Dois homens ao lado da Su não param de olhar para a nossa mesa; passado um pouco perguntam-lhe se sou brasileira e eu aceno que não, mas eles não acreditam e continuam a olhar. Velas acesas ao centro da mesa, a Su a aquecer as mãos nelas e a Sandrine (=p) a falar dos bombeiros e a Kate a escutá-la atentamente e a Joana de costas para nós e eu impacientemente à espera. Mas quando a música começa, todas as preocupações se esfumaram e o mundo parecia só nosso. Bom, estava naquele estado adormecido por ter dormido a sesta e por ter jantado a correr, e o “Encosta-te a mim” ao ritmo do jazz parecia-me perfeito. Mas depois surpreenderam com êxitos dos anos 60, 70 e 80, intercalados com originais do senhor Jo e alguns êxitos de Bossa Nova. Entretanto mudámos de bebida, e metade de um tango foi entornado pela mesa e para as minhas calças, a conversa continuou e a noite prosseguiu. Não consigo descrever as músicas nem as sensações, o que não é nada habitual, mas a verdade é que ao recordar a noite de ontem o que ficou foi os acordes, as guitarras, a bateria, a voz, as gargalhadas e breves frases que ficaram. E a pergunta final de um dos homens que estava ao lado da Su, mesmo quando já estava a pagar, “Não é mesmo brasileira?” ao que eu respondi, com sotaque brasileiro da “roça” “Eu dissi que naum!” que fez o barman bem parecido e de olhos verdes rir à gargalhada, coisa que eu nunca tinha visto ( e ainda levei um desconto de 10 cêntimos =p ).
E hoje… hoje foi dia de noticia sobre o relatório da ERC que diz que a RTP privilegia o Governo e o PS e de falar com senhor Agostino Branquinho do PSD e de descobrir que o senhor é super simpático e acessível. Bem, pelo menos para falar sobre o que lhe interessa. E abandonar o Porta 65, que pelos valores da renda não interessa a ninguém (pelo menos não a mim!).
"Happiness is a sad song..."
6 comments:
Talvez já não estejas farta dos textos longos... brasileira xD
Por acaso, se não soubesse que esse tom de carrramelo é mesmo de ti até diria que eras brasileira. Pô cê imita super beim o sotaqui!
A mim dizem que tenho um ar francês, o que eu ainda estou para perceber porquê!
Luna, não me faças inveja com esse cappuccino + jazz, que ainda hoje me apetece!!!
:P
BJ
olá,
Nem imaginas o quanto me «ri» ao ler-te.
Gostei bastante,tu és demais.
que dizer mais? ainda bem que és uma «Brasileira» Portuguesa.
Fica bem e continua a deixar, nós que te lemos, fazer parte das tuas «peripécias»
beijo
«fazer parte », quero dizer «assistir» ás tuas peripécias.
Estas noite tem-me reservado boas surpresas , deixo sempre os "meus" escritores para os ler noite dentro com a taenção que me merecem. os textos longos obrigam a uma maior concentração que só a esta hora consigo (a escrever não é tanto assim ...) deliciei-me com a tua crónica. A mim perguntavam-me se eu era berbere mas isto antes de chegar aquela idade em que quase todas as mulheres viram louras para tapar melhor os brancos :)
Um beijinho. Intervalei no meu descanso para matar saudades, mais um dia ou dois e entro outravez em intervalo.
Noite feliz
Deixa-me dizer-te. brilhante, brilhante, brilhante! Um destes dias convido-te para escreveres crónicas para o jornal.
Bjs
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