quantos indecisos andam agora por aqui

Thursday, May 29, 2008

Com flores na memória

Pó de talco, riscos carregados nos olhos, máscaras venezianas, papel de cenário amarrotado, pedaços de madeira, candeeiros e lâmpadas partidas, luzes, poucas câmaras, demasiada acção, portas entreabertas por onde espreito curiosa, vislumbres de conversas, linhas de guiões com menos de 100 páginas, gargarejos, testes de voz, chão duro e passos a ecoar, um encontrão e dois sorrisos e por fim o átrio iluninado a dourado pela talha dourada (?) moldada em folhas de videira no tecto. Por um afortunado erro entrei pelos bastidores e quebrei o encanto ao ver os actores já preparados a conversar animadamente.

Mais tarde, já sentada, na sala enorme que não deixa de me fazer lembrar o Fantasma da Ópera, suspiro por estar sozinha, mas inspiro a pensar que vou poder tirar as fotos que quiser e ver aquela peça primeiro que toda a gente, porque o encenador, muito simpático por sinal, decidiu transformar o ensaio de imprensa num ensaio geral. Tenho receio de me sentar na primeira fila e acabo por me sentar na 4ª, a pouco menos de três metros do palco. Mesmo assim, os actores declamam para mim e arrancam do meu diafragma gargalhadas demasiado sonoras e murmúrios de contentamento. “É mais uma paisagem do que uma peça. E uma paisagem é para toda a gente”, explicou mais tarde o encenador António Pires ao ritmo de sorrisos espaçados por olhares para o meu bloco de notas.

Mais tarde, muito mais tarde, caracterizei a peça numa notícia. "Personagens coloridas, mudanças drásticas de humor, jogos de palavras em inglês e português, danças saltitantes, a repetição das falas, dos gestos e das situações e a utilização de espelhos são as principais características desta peça, criada a partir de um guião de Gertrude Stein", escrevi no metro, a caminho de casa enquanto me recordava da sonoridade das palavras, do inglês e do português misturado. "George Henry, Elizabeth Henry, Henry Henry, William Long, Elizabeth Long", os nomes repetidos vezes sem conta, com as cinco personagens anónimas, mas multicolores em frente as espelhos que os multiplicavam e descontruíam o presente num eterno círculo de falas sem sentido. Ah e os abraços, entrelaçados entre todas as personagens até que o de vermelho sai do palco e estende os braços à plateia, eu e outra jornalista, e olha para mim à espera que me levante e vá ter com ele, e olha para a outra com a mesma esperança, e os seus olhos dançam entre mim e ela até que um dos membros da organização o vai abraçar para a peça poder prosseguir. "Ainda bem que não me sentei na primeira fila", penso eu, enquanto rabisco nas folhas pautadas do meu bloco, só para disfarçar o embaraço.

A peça termina, não bato palmas porque seria pouco profissional, mas depois dou os parabéns ao encenador enquanto conversamos naqueles sofás confortáveis cor de veludo. "Say it with flowers" ou Di-lo com flores foi das melhores irrealidades que já vi.



"Happiness is a sad song..."

3 comments:

m said...

e vem-me dizer toda contente! sua pesteeeeeeeeee!!! sabes perfeitamente que amo teatro e lá vem ela! Mas fiquei muito contente por ti e pelas tuas fantásticas descrições parece ter sido um momento muito bem passado! :D

beijinhos grandes

.diana.alves. said...

Gosto tanto das tuas palavras:')*

Carlos said...

olá,
como é bom sentir que estás a viver e a respirar arte....
assim será a tua vida , cheia de cores vivas....

bjs