quantos indecisos andam agora por aqui

Friday, June 27, 2008

pormenores.

Olho para o bloco de notas e rabisco umas palavras-chave com a certeza de que depois me vou lembrar do discurso todo. Pausado, como se fosse lido, com arcaísmos e neologismos e estrangeirismos e aquele ar de quem sabe muito da história e das estórias. Entediante, no final de contas, e sem nada por onde pegar para uma boa notícia ou sequer uma boa legenda de foto. O fotógrafo encolhe os ombros e vai-se embora, deixando-me sozinha, com os recibos dos táxis para poder voltar à redacção. Olho em volta e apenas vejo gente e pergunto-me para onde foram as pessoas. Que triste, afinal.

Saio, subrepticiamente e toda a gente fica a olhar para mim. Não, não vou ficar para almoçar, obrigado, oh por que não?, oh não tenho tempo, mas é tradição!, tenho mesmo muita pena!, oh vá lá, ainda por cima sou vegetariana (minto). Consigo escapar e chamo o táxi. Quando ele chega, cinco minutos depois, entro no banco de trás sem sequer olhar para o condutor, que me observa pelo retrovisor [uma estagiária avisou-me para nunca me sentar no lugar da frente, porque por vezes as mãos dos taxistas escapam-se para o lado]. Para a redacção. -Ah sim? [olhos verdes e sorridentes]. -Porquê, não sabe onde fica? -Talvez não. [novo, pouco mais velho do que eu] -Eu posso indicar-lhe o caminho, mas olhe que tenho má orientação. -Não é preciso, sei onde fica. [barba por fazer] -Ah... -Reportagem? [camisa escura] -Algo do género, mas nada de especial. -É uma jornalista muito jovem. [mãos largas no volante, conseguiriam estrangular-me num instante... ah sim, que belo pensamento para se ter... as portas estão trancadas... descansa, é só um taxista... que raio de desconfianças] -E você é um taxista muito jovem. -Então trata-me por tu. [sorriso] -Bom, está bem. Mas não tens nada ar de taxista. -Se calhar os taxistas também não têm ar de taxistas, se calhar o meu ar é que é um ar de taxista. [sorriso] -Porquê taxista? -Porque quis [sobrolho carregado] -Nunca tinha ouvido tal coisa. Estás a gostar? -Não trocava por qualquer outra profissão. E tu? Gostas de jornalismo? [olhar no retrovisor] Ainda agora comecei e ando demasiado preocupada em não estragar tudo para me aperceber. -Se fosses taxista deixavas-te levar mais, só tinhas de saber conduzir. [piscar de olho] -Ah, então já percebi. -E todos os dias entrevistas muitas pessoas [encosta o carro numa berma]. -Não estamos na redacção. -Passa para a frente. [põe os óculos de sol] -Está bem. - sento-me no lugar da frente e ponho também os óculos de sol. -Temos dois caminhos, de igual distância, por isso vou-te levar pelo mais giro. [olhar de soslaio]. -seguimos pela marginal, com o sol a queimar o pavimento e pessoas a correr e a andar de bicicleta. -Devem entrar muitas pessoas interessantes neste táxi. -Ah, sim. Todos os dias. Se fosses taxista terias muitas estórias interessantes para contar. [acelera] -Acreditas no destino? [olha para mim como se eu tivesse acabado de pedir a sua mão em casamento] -Talvez. O destino está implícito em tudo o que fazemos. Quero dizer, isso é o fado. -Fado. Boa escolha de palavras. -Ah, bem é só o que eu penso. Mas se formos ficar à espera do destino, morremos sem ter concretizado os nossos sonhos. [sorriso melancólico]. -Era só mesmo isso que precisava de saber. -Chegámos. -Bom, foi um prazer. Adeus. -Até logo. -Ah, preciso de saber o número do táxi. -O nº é _______

Mais tarde: -Estou sim, central de táxis? Gostava de saber como se chama o condutor do veículo nº _______. -Deixe-me consultar o registo . [dois minutos depois] Não há nenhum táxi com esse número.



"Happiness is a sad song..."

4 comments:

Anonymous said...

QUE SUBLIME!
Ser jornalista é isso: sair à rua e voltar... simplesmente para contar uma história, mais uma!

PARABÉNS!

PS- Jornal de Negócios - Paulo Teixeira Pinto!

m said...

Minha nossa, eu não sei se falava o que falaste dentro de um táxi. Talvez por não me sentir muito à vontade para tal.

Beijinho

m said...

Minha nossa, eu não sei se falava o que falaste dentro de um táxi. Talvez por não me sentir muito à vontade para tal.

Beijinho

Anonymous said...

Kokas, é bom juntar um nick a um nome =D e melhor que isso é juntar um nome a uma entrevista! Sublime estava a introdução ^^ e espectacular é reconhecer partes da tua escrita...

Marta,tens de entrar no espírito =p

Biju***