Dias assim...

O barulho da televisão lá ao fundo, vozes infantis e a luz azul a iluminar-lhe a face, olhar compenetrado - era tão bom se fosse assim na altura de fazer os trabalhos de casa! -, um ou dois espirros e o calor da lareira a crepitar de vez em quando. Lá fora um frio glaciar que deixa de presente placas de gelo escorregadio sobre os telhados, que eu insisto em observar todas as manhãs, depois de acordar e de abrir as cortinas espessas e opacas. O gatinho chamado Daniel vem ao nosso jardim todos os dias e de vez em quando, depois de inúmeros pedidos insistentes da pequena, lá o deixo entrar. Leio sempre o aviso da coleira: "please don't feed me" e sorrio, pois acabo sempre por lhe dar um pedacinho do que irá ser o nosso almoço, especialmente se for peixe. Recosta-se num canto ou esfrega-se nas nossas pernas a ronronar, o pêlo maciço perfeitamente penteado e brilhante; ontem sentou-se na cadeirinha da pequena e o resto da manhã foi uma festa.
Na noite em que vieram os bombeiros colocar alarmes de fumo nos quartos, os dois pequenos insistiram para que eles viessem ao meu quarto, explicando que eu era aquela que lhes dava o pequeno-almoço e os preparava para a escola e brincava com eles e estava por casa caso fosse preciso alguma coisa. Ontem, a mãe de uma das amigas do Leo veio ter comigo e perguntou se eu era mãe dele. Obviamente, o meu tom de pele revelava já a resposta, mas o silêncio valeu-nos umas boas gargalhadas a seguir. A senhora queria que o pequeno fosse brincar com a sua filha em sua casa e ficou de escrever um bilhete a pedir autorização à verdadeira mãe do pequeno. Vidas sociais agitadas já na infância!
Sou a irmã mais velha da Sophie e do Leo, se bem que muitas vezes eles se enganam e me chamam de mãe. Identidades à parte, cuido deles como se fossem mesmo meus filhos, mas brinco com eles como se fosse uma irmã. Au pair tornou-se um termo alternativo para tudo isto, afinal.

"Happiness is a sad song..."