Ainda sem resoluções concretas para o novo ano [quatro dias passaram, quase sem que eu desse por isso], deixo-me levar por uma maré de bem-estar, que me invade enquanto oiço o relato animado de uma criatura que se desfaz em enredos intrincados enquanto limpa o balcão imaculado de um café de virar de esquina. Penso no que gostava de fazer, em jeito de plano, mas nada urgente me ocorre e é isso que me deixa num estado de letargia do qual me é difícil libertar. "Há boa e má letargia", disse ele enquanto afagava o balcão com carinho, "e o que tu sentes não é letargia, é falta de ideias, como um bloqueio de escritor, falta de ideias essa que não é mais que natural, tendo em conta que estás desocupada". "Hum, hum", acenei como se concordasse. "O que acontece é que, como sempre tiveste muitos planos..." e aí aconcheguei uma interrupção ao seu discurso. "Não me conheces". "Ah, sim, e portanto não sei se tiveste sempre muitos planos, mas tu tens cara de pessoa que faz muitos planos, ou pelo menos idealiza muitas coisas para o futuro, portanto vai dar ao mesmo. E como eu estava a dizer, o que tu sentes é uma espécie de depressão reprimida, até porque também tens cara de ser daquelas pessoas que vai ao médico mas que desdiz o diagnóstico e nega tudo o que for inesperado". "Exactamente. Mas eu não estou deprimida". "Era aí que eu queria chegar, entendes? Então o que tu sentes é uma boa letargia, porque nunca estiveste tanto tempo como agora sem idealizar coisas, planos, e por isso parece-te que estás numa fase má, mas na verdade tudo isto é uma fase óptima". Interrompi-lhe o quase monólogo uma vez mais e sem pedir desculpa e pedi-lhe um cappuccino bem quente, cheio de espuma e com uma pitada de chocolate e açúcar baunilhado. "Queres então dizer que isto é uma boa fase", repesquei o assunto, já com a chávena a fumegar o adocicado dos aromas. "Sim, especialmente para alguém que gosta de escrever. Agora estás numa altura em que te podes dedicar totalmente ao que mais gostas de fazer, sem sentires remorços por não estares a fazer mais nada, porque não tens mais nada para fazer".
Recostei-me no banco alto e os meus pés bateram no balcão, provocando um ruído surdo no café quase deserto. "Não sei o que te têm dito, mas eu penso que as coisas que queremos fazer, aquelas que às vezes queremos tanto ao ponto de não querer, devem ser concretizadas, sempre que possível, aqui e agora. Luna". Ergui os olhos quando ele murmurou o meu pseudónimo, como se me tivesse acabado de me contar o seu segredo mais escabroso. "Como é que sabes?". "Eu leio o teu blog". "Como é que sabes que é meu?". "Reconheci-te as pestanas". Sorvo o cappuccino, pensativa, e acabo por pedir um pretzel de chocolate para encorajar as palavras. "Eu não escrevo em nenhum blog. Aliás, eu não escrevo", disse determinadamente. "Então mudaste muito desde que não te conheci". "Não, sou a mesma, mas sem a escrita". "Impossível. É como querer arrancar a face de uma moeda". Sem palavras, dediquei toda a atenção ao lanche de final de tarde e esqueci-me de falar.
Quando acordei do meu sonho nostálgico tinha à minha frente um caderno de capa preta, com quatro letras a vermelho por cima de uma lua, formando a palavra Luna, e um chupa-chupa de cereja. "Prenda de natal atrasada", desculpou-se ele com um encolher de ombros. "Para que é o chupa-chupa?". "Não, não tem nada a ver com o post que escreveste sobre as coisas românticas, era só porque tinha-o lá em casa e não gosto de cereja e não conheço mais ninguém a quem dar o chupa sem que me ache infantil". "Ah". "A tua prenda de Natal é devolveres-me o caderno sem nenhuma página em branco". "Vou já começar a trabalhar nisso". "Precisas de caneta?". Em jeito de resposta, abri a minha mala e saquei da minha caneta de tinta permanente, com as suas flores em tons monocromáticos, que exibi no ar, como se fosse um artefacto. "É melhor telefonares para casa a avisar que não vais jantar", rematou ele com um sorriso e um piscar de olho.
"Happiness is a sad song..."
Recostei-me no banco alto e os meus pés bateram no balcão, provocando um ruído surdo no café quase deserto. "Não sei o que te têm dito, mas eu penso que as coisas que queremos fazer, aquelas que às vezes queremos tanto ao ponto de não querer, devem ser concretizadas, sempre que possível, aqui e agora. Luna". Ergui os olhos quando ele murmurou o meu pseudónimo, como se me tivesse acabado de me contar o seu segredo mais escabroso. "Como é que sabes?". "Eu leio o teu blog". "Como é que sabes que é meu?". "Reconheci-te as pestanas". Sorvo o cappuccino, pensativa, e acabo por pedir um pretzel de chocolate para encorajar as palavras. "Eu não escrevo em nenhum blog. Aliás, eu não escrevo", disse determinadamente. "Então mudaste muito desde que não te conheci". "Não, sou a mesma, mas sem a escrita". "Impossível. É como querer arrancar a face de uma moeda". Sem palavras, dediquei toda a atenção ao lanche de final de tarde e esqueci-me de falar.
Quando acordei do meu sonho nostálgico tinha à minha frente um caderno de capa preta, com quatro letras a vermelho por cima de uma lua, formando a palavra Luna, e um chupa-chupa de cereja. "Prenda de natal atrasada", desculpou-se ele com um encolher de ombros. "Para que é o chupa-chupa?". "Não, não tem nada a ver com o post que escreveste sobre as coisas românticas, era só porque tinha-o lá em casa e não gosto de cereja e não conheço mais ninguém a quem dar o chupa sem que me ache infantil". "Ah". "A tua prenda de Natal é devolveres-me o caderno sem nenhuma página em branco". "Vou já começar a trabalhar nisso". "Precisas de caneta?". Em jeito de resposta, abri a minha mala e saquei da minha caneta de tinta permanente, com as suas flores em tons monocromáticos, que exibi no ar, como se fosse um artefacto. "É melhor telefonares para casa a avisar que não vais jantar", rematou ele com um sorriso e um piscar de olho.
"Happiness is a sad song..."
3 comments:
Cheira-me que falta aqui um "to be continued". Não é Luninha? O que é que não me andas a contar? Com quem é que andas a dividir cafés, meias de leite e cappuccinos? =p
...tens boa memória...
que momento!! surpreendeu-me,acredita.. pela positiva,claro :)
beijinho
Post a Comment