quantos indecisos andam agora por aqui

Monday, February 02, 2009

Finais do mês e lamechices

Tenho à minha frente uma foto que mostra a tua cara bafejada pelo sol, um pedaço do teu braço que segurava a máquina, dois olhos ofuscados e um sobrolho franzido, um nariz quase torcido pelo esforço e os lábios esboçando uma espécie de sorriso que quase é um beicinho: é esta a minha (tua) expressão preferida, aquela que não consigo definir. Podia passar muito tempo a olhar para a foto, tentando decorar os detalhes, aquele pequeno corte ao fazer a barba, a covinha debaixo do lábio inferior, os dois traços que vão no nariz aos dois cantos da boca, as três ténues rugas de expressão que não se vêem, mas que eu sei onde estão. Podia passar a noite a olhar para ti, fingindo que me vês e que essa expressão me diz: "tenho saudades tuas", porque é o que encaixa melhor no brilho dos teus olhos.

Se visses como estou lamechas rir-te-ias, como naquela foto que tirámos juntos, em que te sussurrei uma das minhas piadas mais estúpidas ao ouvido e o flash inundou as nossas caras, que se encaixaram tão bem como se fossem duas metades do mesmo segredo. Mas fico assim nos finais do mês, em que estamos longe porque nos aproximámos demasiado e em que tudo o que passou, passou mesmo.

Há dias em que me deixo ser lamechas, brega como dizem os brasileiros, um pouco cheezy como dizem os americanos. É nesses dias que vasculho os retratos que tirámos antes e depois de nos conhecermos, raramente durante, porque saíram todas mal porque sabes que eu detesto fotografias, mas tu adoras tirá-las quando estou distraída do mundo e aí pareço aluada, o que não deixa de ser verdade, mas eu não gosto que se veja, prefiro sorrisos e abraços momentâneos, enquanto não se carrega no botão da máquina, essas coisas que se prolongam para o resto da vida; e ao vasculhar essas fotos que já parecem tão antigas só me apetece travar o tempo, quem sabe fazê-lo voltar para trás num fast rewind, esquecer que existe futuro e que os meses não páram de chegar ao fim e que não há um fevereiro em que não faça anos.

Não consigo evitar sentir os cheiros de antigamente ao ver estas fotos. Aqueles aromas que não se sabem definir por estarem demasiado entranhados no tempo, nas pessoas, no ar. Como o odor do mar, que não se sabe dissecar ao certo, porque não sabemos se a maresia é o sal ou o marisco ou a areia molhada ou o branco das ondas.

Quando te vejo, nesta expressão que não consigo parar de olhar, vêm-me à cabeça momentos e fracções de segundo em que esboçaste este mesmo sorriso, este mesmo olhar, por coisas que nem sequer tinham a ver com a atmosfera que se viveu quando tiraste a fotografia. A verdade é que eu nem sequer te conhecia quando a tiraste, nem sequer sou eu que estou ao teu lado, com o seu sorriso rasgado e a face envolta na sombra que revela o recorte do teu perfil, nem sou eu que estou com a mão presa à tua, naquela parte da foto que não se vê (mas eu sei, não me perguntes como, mas sei), nem fui eu que despertei o teu sorriso ao rever a fotografia, nem foi a mim que convidaste para ir tomar café a seguir, nem foi a mim que ofereceste margaridas (e eu nem sequer gosto de margaridas, de qualquer das formas, mas sei que ela as adora), nem foi a mim que fizeste juras e mais juras, empunhadas em coisas típicas que se oferecem em efemérides típicas e que envolvem jantares iluminados por velas e música de violinos, nem foi por mim que até choraste quando tudo terminou, nem é em mim que pensas quando te recordas de quando nos conhecemos, nem é felicidade nem alegria que sentes quando te lembras que tudo terminou mesmo depois de nos termos conhecido, mas ao menos sentes-te aliviado pelo fim e isso basta-me.

Deixo-me levar pelo ritmo das fotografias e deixo-me ficar naquela em que estamos os dois, o teu sorriso tranquilo e a minha felicidade exposta no meu, pouco contido, que quase lança faíscas que só tu não vês. A lua que partilhámos, o silêncio daquele cais escondido, longe do resto do mundo pelas conversas que se perdiam no frio da noite e o toque na pele, que ficou guardado, com cheiro a impossível que as nossas mãos ainda recordam.

E se me visses assim rir-te-ias deste estado de lamechice, como fazias sempre que eu chorava com cenas dramáticas de filmes que fomos vendo, de vez em quando, em salas escuras, longe da tela e inundados de pipocas que íamos atirando um ao outro. Até pensei em pôr como banda sonora desta postagem o "Take my breath away" dos Berlin, mas aí era eu que me ria (e não quero, porque estou triste).

"Happiness is a sad song..."

6 comments:

Anonymous said...

Luninha, não faz mal ser lamechas, aliás só faz é bem. E devias ter posto a outra música, esta é demasiado indie para combinar com o post.

Enfim, apenas te posso dizer que ter ciúmes é saudável. Pronto, desculpa. Mas não faz mal, a sério. Foca-te na fotografia em que estão os dois, esquece a outra e se possível queima-a de forma dramática, estilo filme em que elas depois encostam-se à parede e vão escorregando para baixo até chegar ao chão, a chorar. Minha pequena drama queen ;)

Beijo em ti*

m said...

Também costumo ser assim. Principalmente nas longas noites em que a inquietação me tira o sono! Mas depois, quando a tristeza vai embora, fico com muito mais forças para recomeçar um novo dia, ou quem sabe, uma nova noite...

beijo grande

Sandra said...

Uau, adorei este por completo. Adoro a maneira como transmites o que sentes Luna, é fantástica, mesmo.

Se achares que tens que chorar, chora. Se achas que tens que gritar, grita. Faz tudo agora, para que daqui a pouco já tudo tenha passado e estejas de novo a rir às gargalhadas porque se calhar a vizinha do lado se esqueceu das chaves de casa e está a berrar à porta ou qualquer coisa estúpida que nos momentos mais coisos, nos fazem rir.

Beijinhos **

By myself said...

Bem...que grande alteração (ou foi só no fundo?)...não interessa! Importante é que o conteúdo mantém a mesma qualidade se sempre.
É um prazer ler-te (nem que sejam lamechices)!

Beijinho

Sandra said...

e é horrível estarmos assim , não é ? *

m said...

PARABÉNS! Desejo-te um dia em cheio e um ano ainda melhor! Que tudo te corra bem! Feliz dia e muitos beijinhos :D