quantos indecisos andam agora por aqui

Wednesday, February 11, 2009

Hoje estou impossível


I Thought I Saw Your Face Today - She & Him

A sério. Não me aguento. Duvido que alguém me aguente. Disseram-me que estou "imprópria para consumo". É verdade. Tão verdade que não fiquei chateada com o comentário. E as verdades são para serem ditas, certo? foram inventadas para isso mesmo, para as proferirmos quando nos apetece, o que devia ser sempre e acima de tudo. Por isso é verdade, estou impossível. Se pudesse rastejava para fora de mim e deixava o corpo ser um autómato. Mas impõe-se a questão: para onde haveria de ir?

Se eu fosse um puzzle, faltar-me-iam algumas peças. Se fosse um café, faltar-me-ia o açúcar. Se fosse um bar, faltar-me-ia a música. Se fosse uma máquina de escrever, faltar-me-iam as teclas. Se fosse uma carta, faltar-me-ia a despedida. Se fosse uma coca-cola, faltar-me-ia o gás. Se fosse um dicionário faltar-me-iam as definições. Se fosse uma lua, faltar-me-iam as fases. Se fosse um violino, faltar-me-ia o arco. Se fosse uma vela, faltar-me-ia o pavio. Sendo eu própria, faltas-me tu. E mais umas coisas.

"Home is where the heart is"*. Um problema: sou do contra ou sou do contrário, portanto sei onde está a casa, mas não sei onde pára o coração. Já verifiquei o bolso de trás das calças e tudo. Não o encontro, porque o que me parece é que ele não quer ser encontrado e quem sou eu para o contrariar? deixo-o estar, neste interminável jogo das escondidas e espero que alguém apareça para dizer que eu já não posso salvar ninguém depois de uma contagem de três. Tinha esperanças de poder salvar-me a mim própria. Já vi que é impossível, uma vez que estou impossível.

Hoje nada (me) faz sentido. Há qualquer coisa de surreal neste grande quadro que parece um retrato deformado deste pequeno mundo. Qualquer coisa que não bate certo. Talvez seja eu ou talvez seja de mim. Ou as duas coisas. É nestas alturas que gostava de poder colocar uma mordaça no pensamento. E é nestas alturas que me fazem falta as coisas que me fazem falta, mas que não sei o que são nem onde estão. Faz-me falta o sentido, acima de tudo. Faço-me entender? claro que não, responde a realidade a zombar de mim.

Hoje o dia pareceu-me interminável, ao estilo daqueles filmes que pagamos para ver, mas que a muito menos de meio nos fazem perguntar onde estávamos com a cabeça por termo-lo escolhido. Onde estava eu com a cabeça? Provavelmente estava com ela longe de mim, bem longe. Onde estava eu com a cabeça para me levantar da cama tão efusivamente por estar no início de mais um nascer-do-sol que, entretanto, estava demasiado ocupado a namorar com as nuvens para não aparecer? Em que estava eu a pensar para empilhar em mim tanta expectativa pelo surgir de mais um dia?

Este dia valeu pela noite. Pela lua. Ela sim, faz as coisas valerem a pena. Às vezes o chocolate também faz disso. Muito raramente, dependendo da quantidade de cacau ou da companhia em que o saboreamos. Vendo bem as coisas, este dia nem sequer valeu a pena. O que valeu foi a noite, mas as noites são sempre assim. Envolvo-me no seu manto negro e deixo-me ficar escondida do dia seguinte, como uma criança que se esconde debaixo da manta até os monstros se dissolverem.

Hoje peço-me para fazer sentido, mas não me oiço. Nem sequer sei onde está a voz. Murchou na garganta quando te disse "boa noite", porque era mentira, nada hoje é bom, nem sequer a noite, e as mentiras calam-me a voz e as vontades e tudo o que se segue. Peço-te com o timbre do silêncio que não me peças para te pedir o carinho que ficou esquecido nas entranhas da memória e tu acedes, sem dizê-lo em voz alta. É tão bonito quando o silêncio tem mais coragem do que nós. Tentemos apagar da lembrança momentos que, também eles, já não dizem nada. Tentemos esquecer do presente um passado que não chegou a ser.

A vida tem destas coisas, mas houve alguém que se esqueceu de avisar que às vezes dói(s). Talvez tenha sido de propósito, para não termos de pedir misericórdia, que as humilhações são para ficar escondidas no disfarce. Ou talvez a culpa seja do esquecimento. É tão engraçado como nos esquecemos da dor com a mesma facilidade com que nos deixamos levar pelo prazer. Mas se fosse assim tão fácil viver, eu preferia morrer. Verdade seja dita. Nada que valha a pena é fácil, tudo o que arde cura. Não é bem assim, mas dizemos estas coisas tantas vezes que lhes perdemos o sentido. E assim é mais fácil encará-lo. Ou encarar a vida. Fazendo-a em moldes de provérbios que se vão dizendo, passando de boca em boca, até que alguém se lembre que há muita mentira em tanta verdade.

Hoje estou impossivelmente impaciente. Tenho a impressão de que nasci hoje e por isso não me conheço. Quando acordamos, nascemos um bocadinho. Mas raramente nos apercebemos de que não conhecemos esse bocadinho que nasce e esse bocadinho vai-se juntando a todos os outros e formando coisas que não são palpáveis, mas que num repente nos farão perceber que nascemos velhos e caminhamos para a insanidade. Ou talvez isto seja apenas eu.

Definitivamente, isto sou só eu. Há dias em que somos egocêntricos. Hoje é um deles. Portanto, só eu caminho para a insanidade.

Gostava de ir dormir e acordar na primavera. Há qualquer coisa de bonito em todas aquelas flores que nascem e no sol que parece renovado. O inverno parece-se demasiado com o meu estado de espírito.


*Lady Antebellum, do álbum com o mesmo nome

"Happiness is a sad song..."

5 comments:

Anonymous said...

Estava eu a perguntar-me se iria ler alguma coisa tua hoje. E deparo-me com isto.

O que mais gostei: "Se eu fosse um puzzle, faltar-me-iam algumas peças. Se fosse um café, faltar-me-ia o açúcar. Se fosse um bar, faltar-me-ia a música. Se fosse uma máquina de escrever, faltar-me-iam as teclas. Se fosse uma carta, faltar-me-ia a despedida. Se fosse uma coca-cola, faltar-me-ia o gás. Se fosse um dicionário faltar-me-iam as definições. Se fosse uma lua, faltar-me-iam as fases. Se fosse um violino, faltar-me-ia o arco. Se fosse uma vela, faltar-me-ia o pavio. Sendo eu própria, faltas-me tu. E mais umas coisas."

Sabes que há pessoas que bebem o café sem açúcar, que dissolvel o gás da coca-cola, que têm máquinas de escrever apenas para enfeitar, que a lua fica bonita numa só fase que é a cheia, que há velas que servem só para encherem uma sala de aroma, que há cartas que não precisam de despedida,que há dicionários que não precisam de fazer sentido, que há bares que são mais melodiosos sem música dependendo da companhia, que há puzzles que fazem mais sentido se não forem ordenados?

Não digo mais nada. O resto, sabes tu tudo.

Beijo meu*

Sandra said...

Oh Luna, há dias assim.. Parece que ninguém nos compreende e que nem estão nem aí para nós.. Mas olha que às vezes não é bem assim..

Melhorasss!

beijinhos :D

m said...

O segundo parágrafo é qualquer coisa de extraordinário!
Apenas te digo uma coisa: quando os dias são assim não há nada que se possa fazer. Apenas esperar que eles acabem depressa.
Sorri Luna, hoje é um novo dia! (Ou nova noite...)

Beijinho grande

Liliana Carvalho Lopes said...

Tu és simplesmente tu, aquele ser adorável. Mas que, como toda a gente, tem os seus dias não. Se há vezes em que queria fugir de mim? Claro!

Mas não te esqueças... Há quem goste de café sem açúcar ou de coca-cola sem gás :)
Não acreditas?
Anda cá que eu digo-te... =]

LY!

Sara non c'e said...

Mas que texto mais lindo. Sabes para que servem dias maus? Por exemplo para escrever textos bons. É nos momentos mais baixos que escrevemos melhor. Não te acontece? "É só mais um dia mau" já dizem os Ornatos. Já passou :)
A entrevista correu fixe, mas aquilo n é um emprego, é mais um trabalhito q vou fazendo mais por casa, entrevistas, noticias, etc, para elaborar o primeiro número de uma revista digital. Pagam-me em Abril qq coisa, 100/ 150€ disse-me ela. Temos de começar por algum lado :) já começaste nas assessorias? :) BeijO*