a vida imita a arte, a arte imita a vida, disse ela naquele tom de voz sussurrante e eu fiquei a pensar se não seríamos todos, no fundo, imitadores de alguma coisa. claro que no fundo, a expressão "no fundo" não podia ser mais errada, porque está tudo à vista: imitamos descaradamente. não falo apenas dos artistas, que copiam correntes ou figuras de estilo, mas de toda a gente. ideias, expressões, roupa.
o que mete medo é nada ser original, no final de contas. não me queria perder neste raciocínio, pois de cada vez que penso nisso fico com o estômago às voltas. sempre que escrevo, perco a maior parte do tempo da revisão atenta a algum tipo de plágio involuntário. problemas de quem lê demais: já dei por mim a utilizar expressões de autores que já nem recordo ou mesmo neologismos. por vezes parto de ideias que li, como se elas tivessem partido de mim. é injusto, claro, mas refugio a culpa na premissa de que as ideias nunca são nossas, são de quem pegar nelas para as fazer chegar ao resto do mundo. de qualquer das formas, tento sempre corrigir essas formas de plágio ou faço apanágio a quem de direito.
tudo isto me faz pensar que nada é nosso, de facto. as ideias são do mundo, as expressões se calhar ouvimo-las em algum lado, os provérbios foram criados pelo povo, a roupa provém de algum conceito que, se calhar, foi original, as palavras que escrevemos são para os outros. nem a pele é nossa, é de quem a acaricia, é de quem a beija. o que quero dizer é que o mundo e a vida são feitos de partilha, quase literalmente. para que escreve um escritor? para ler lido. para que canta o cantor? para ser ouvido.e assim por diante. de nós e para nós.
se uma árvore cair num bosque onde não há vivalma será que existiu som? se ninguém estiver lá para o ouvir, para que serviu? se pegarmos na famosa Teoria do Caos, de Edward Lorenz, talvez tenha servido para alguma coisa e tenha gerado um tufão do outro lado do mundo - duvido que seja apenas o bater de asas de uma borboleta a causar o caos. se uma obra de arte não for apreciada por alguém que não o seu autor, será que é, de facto, uma obra de arte? e uma melodia? e um filme? [a propósito disto, lembro do Book of Illusions (Livro das Ilusões), de Paul Auster, em que uma das sub-estórias retrata a vida de um actor/realizador, mestre do slapstick mudo, que produziu algumas películas que tinham como objectivo permanecerem ocultas do mundo até ao dia da sua morte, em que seriam destruídas por completo. um artista que produziu apenas pelo prazer simples de produzir, privando o mundo das suas obras.]
não sabemos, por isso, quantos artistas ficaram perdidos na obscuridade, quantas obras-primas nos escaparam. da mesma forma como não sabemos quanto de originalidade tem uma obra que está perante de nós. foi isto que eu pensei quando ela, aquela amiga estouvada que passava grande parte do tempo na faculdade de artes a desenhar a carvão traços de natureza morta. e quando ela me referiu que a vida imitava a arte e simultaneamente a arte imitava a vida eu perguntei-me qual das duas teria nascido primeiro: a vida, seja lá quando isso foi, seja lá com quem foi, seja lá por quem tenha sido ou a arte, sendo que a vida é, no fundo, a obra de arte suprema. portanto a resposta que me faz mais sentido é: as duas, exactamente ao mesmo tempo. Essa minha amiga concordou, mas fiquei com a impressão de que ela não tinha ouvido nada do que eu tinha dito, de tão entretida que estava a desenhar.
e agora penso: já alguém pensou nisto? quase de certeza, já que nada é original. peço desculpa, portanto, pelo plágio involuntário. já agora, o vídeo é só porque sim. a música, ou não fosse protagonizada pela Regina Spektor, é sublime... "good is better than perfect", sem dúvida.
"He used to go to his favourite bookstores
And rip out his favourite pages" >>>quantas vezes me apeteceu...
p.s.: voltei ao texto justificado, mas sem nenhuma justificação.
"happiness is a sad song..."
3 comments:
adoro o vídeo...mas não tanto como adoro o texto. também já tentei ter essa conversa com uma amiga. ela ouviu, só não sei se me achou louca (se sim, tanto melhor...)
Isto está mais soft...
Confesso que gostava mais do antigo look, mas os textos continuam com a mesma qualidade indescutível de sempre.
Já tinha pensado nisto: tudo é uma criação a aprtir de algo, logo não é propriamente uma criação...
Beijinhos
Mas realmente, tu lembraste de coisas que não fazem lembrar ao arco da velha.
Bom, adiante. Gostei.
Valerá a pena dizer mais?
Sim. Também já me apeteceu arrancar páginas dos meus livros preferidos... e sinceramente, a música é um bocado estranha, tipo tu. Assim... sei lá, aluada.
De qualquer das formas, duvido que alguém se tenha já lembrado de fazer a dicotomia entre a arte e a vida.
Mas isso sou eu, que sou um ignorante e não leio livros como deve de ser.
Gostava mais do texto injustificado, mas está bem. Desde que lá estejam as palavras, pouco me importa o layout.
Beijo meu*
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