quantos indecisos andam agora por aqui

Wednesday, March 31, 2010

cheira a jardim

os dias são tão curtos e há muito que não acabo de ler um livro. há pombos naquele jardim de calcário e bancos, com vista para uma encosta cheia de musgo e outros verdes e algumas casas que se equilibram devagarinho - bem sei que elas se mexem quando não estamos a olhar para elas. as árvores também. há outros passarinhos por aí, abrigados nas copas recém-formadas porque a chuva vai passando como quem corre para algum sítio. lá vai ela em direcção ao inverno seguinte. não cheira bem a jardim, este título induz em erro. cheira a terra molhada e a magnólias que já estão em flor. sintra é um mar de cheiros, não só rosas. por entre um texto e outro levanto os olhos para a janela e passa o comboio com o prenúncio do tempo, que nos vai sempre escapando. às vezes passam pessoas na ponte enferrujada, às vezes buzinam carros pelo alcatrão fora. as palavras seguem o som e fogem pela janela entreaberta. devem ser mais felizes assim, nómadas e selvagens. 

a lua aparece cheia num tapete escuro, com cachecóis densos de nuvens escuras pintadas a pastel. às vezes vejo-a de um canto especial, com o sabor a café na língua e os beijos guardados num suspiro que se forma e se esvai pelo ar. ontem um beijinho de côco precedeu as mãos dadas, precedeu um final de tarde a ver o sol a descer devagarinho para mergulhar num mar gélido, precedeu todas as sensações e o dia a terminar. não há muito para dizer, há muito para fazer e escrever é relevado para segundo plano. ou terceiro, talvez. as sensações sobrepõem-se às palavras e das palavras que se soltam, à hora da rotina, não sobram muitas para escrever aqui ou no bloco de notas que jaz sozinho ao lado da cama. 

há livros desalinhados à cabeceira, pedaços de papel garatujados, filmes vistos e por ver. e o cheiro a jardim a acompanhar tudo isto, como se a primavera estivesse sempre presente. não está, mas há sempre um pio familiar perto da janela do meu quarto, todos os anos, em todos os dias depois de meados de março. para mim já é abril e esperam-nos dias chuvosos porque é assim o ciclo das coisas e porque o cheiro a terra e relva molhada fazem parte deste quadro. é como tinta numa tela. estou outra vez com problemas em fazer-me expressar com sentido.


"happiness is a sad song..."

4 comments:

Anonymous said...

Isso quer dizer que andas a ler muitos livros, por isso é que não consegues acabar nenhum. Não gosto de pombos. Gosto dos outros passarinhos, incluindo das carraceiras.

Há muito que não lia um texto teu. Bem me parecia que o problema era a fuga da primavera =)

Não há muito para dizer. Sabes ou espero que saibas que escreves deliciosamente. Bem.

E ultimamente andas com uns textos dignos de suspirar.

Beijo meu*

Only Me said...

Está tão perfeito Luna, escreves mesmo bem.
E não, não andas com problemas em expressar-te com sentido, pelo contrário, o teu texto está carregado de tanta coisa...

Beijinhos

vyrushack said...

Faço das tuas, as minhas palavras... claro com os devidos direitos de autor ;) pois só tu escreves tão maravilhosamente bem.

bjt

Anonymous said...

Moras nessa lua que é só tua. Este teu texto elucida-nos bem das tuas potencialidades. Com sentido ou sem ele, gostei. Continua a fazer-nos sonhar com as tuas palavras!