há esse dito estranho de que os últimos são os primeiros. também há aquele que diz que o último a rir ri melhor. a verdade é que eu sempre me senti mal por ter um nome que me obrigava a ser sempre das últimas na altura da chamada. havia aqueles professores simpáticos que gostavam de fazer as coisas ao contrário e começavam pelo fim, mas isso não me fazia sentir melhor. a minha mãe disse-me que também pensou nisso quando me escolheu o nome. que assim eu teria mais tempo para me preparar. mas não, assim eu tinha mais tempo para ficar ainda mais nervosa. e nas demonstrações de flauta? era ouvir a turma toda, um a um, as suas melodias e as suas falhas. e nas entregas dos testes? era ouvir suspiros de alívio e reclamações. e nas apresentações de trabalhos? era sentir coisas estranhas no estômago e as palmas a suar.
não é agradável ser o último da fila. mas, por outro lado, essa questão de ser primeiro ou último faz-me também pensar que há muitas últimas coisas que são as melhores. por exemplo, os últimos biscoitos do pacote são, sem dúvida, os que sabem melhor. e as melhores batatas fritas, de um pacote que está aberto há algum tempo, são sempre as últimas. os sabores parecem apurar, a textura parece aperfeiçoar. ou então é tudo uma questão de princípio. lá está uma expressão que não se encaixa muito bem neste pensamento.
ser o último normalmente está associado a alguma coisa má. ser o último a saber alguma coisa, ser o último a chegar ao jantar, ser o último na fila para alguma coisa em stock limitado. para compensar, há depois aqueles ditos com que comecei o texto, que são como prémios de consolação. "deixa lá, os últimos são os primeiros". pois.
cá para mim últimos momentos, despedidas de última hora, últimos preparativos são aquelas pedras no sapato de cada situação. último está associado a lembranças, a coisas que se reparam como se, de repente, estivessem revestidas de surpresa, como se nunca lá tivessem estado e de repente tivessem aparecido, ou até a coisas que se guardaram para se dizer naquele último instante.
quando íamos todos brincar para o parque das traseiras de minha casa, éramos livres como pássaros e corríamos por ali fora até sentir os pulmões rebentar, ríamos e gritávamos, revolucionando toda a vizinhança, derramávamos os sumos empacotados e mesmo assim era tudo divertido. mas, quando as respectivas mães gritavam pela janela que o jantar estaria pronto em cinco minutos ou que tínhamos dez minutos para nos despacharmos... eram esses os momentos que mais nos entusiasmavam. podíamos ter tido uma tarde espectacular, mas esses últimos minutos eram sempre aqueles em que nos divertíamos mais.
por último, tenho de referir que só me lembrei disto no outro dia, quando estava entretida no computador e a luz faltou e tinha pouco tempo de bateria e estávamos na hora de jantar e em vez de ficar a barafustar resolvi começar a tirar fotografias e pensei em como tudo fica tão mais bonito à luz das velas e em como Thomas Edison nos fez tão grande favor (e pensei naquela piada de que se não fosse ele, teríamos de ver televisão à luz de velas) e quando estava mesmo absorta na tarefa de retratar o caos em que se transforma uma casa quando a elecricidade falha... a luz voltou. e eu não sabia que a luz ia voltar naquele momento, por isso não tive tempo de aproveitar os últimos instantes.
[e é tão mais romântico cozinhar na penumbra]
[e é tão mais romântico cozinhar na penumbra]
"happiness is a sad song..."
3 comments:
O último a cortar a meta deve-se sentir terrível também, porque já não há meta para cortar.
A sociedade formatou-nos para sermos sempre os primeiros. Mas ser o primeiro a levantar numa mesa onde estão 13 pessoas é muito mau prenúncio =)
Sim, sou do contra.
É a primeira vez que leio um "último" tão bom.
=) thank you =)
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