quantos indecisos andam agora por aqui

Monday, December 10, 2007

A dias do fim...



"Alice took up the fan and gloves, and, as the hall was very hot, she kept fanning herself all the time she went on talking: `Dear, dear! How queer everything is to-day! And yesterday things went on just as usual. I wonder if I've been changed in the night? Let me think: was I the same when I got up this morning? I almost think I can remember feeling a little different. But if I'm not the same, the next question is, Who in the world am I? Ah,
that's the great puzzle!' And she began thinking over all the children she knew that were of the same age as herself, to see if she could have been changed for any of them." (Alice's Adventures in Wonderland by Lewis Carroll)

Terminou de ler e fechou o livro, como quem tenta fechar o coração. No meio de tantas pessoas, de tantas conversas não havia um fio que desse para chegar ao novelo de palavras suficiente para formar um cachecol de percepções úteis. Podia fechar os olhos e ouvir cada uma das vozes cantando as letras que se entaramelavam umas nas outras. E no entanto, nada lhe interessava.

Podia ser muito aborrecido estar no meio de tanta gente e sentir tanta coisa ao mesmo tempo. E o livro deixara-a a pensar e isso era muito mau. Ficaria a matutar a noite inteira em simples silogismos que não levariam a lado nenhum a não ser a mais pensamentos.

Era eu a mesma quando me levantei de manhã?, pensou. Talvez. Se me senti diferente?, voltou a pensar. Sim, todos os dias há alguma coisa de diferente, todos os dias há sentimentos diferentes, mas todos os dias lhe apetecia ficar mais um pouco na cama, mais um pouco no quarto, mais um pouco no outro mundo, o mundo dos sonhos, o mundo em que o impossível é possível.

Quem sou eu? [perguntou Alice e perguntou ela]... estava no meio de um raciocínio muito pouco útil [porque quero eu saber quem sou?] e a pensar naquela frase do "Não sei por onde vou, só sei que não vou por aí" quando foi abordada por uma senhora cuja vontade de conversar com alguém transparecia [na sua aura? na sua tez? na sua voz?]. Não, não estava com vontade. Tinha pessoas suficientes à volta, conhecidas e mais ou menos desconhecidas, e não precisava de mais uma mais ou menos desconhecida para partilhar dos meus pensamentos. Não, porque a senhora não queria falar de si, queria falar sobre ela. Não, eu não sei quem sou nem quantas almas tenho! [quem me dera que fosses vivo Fernando(s) Pessoa(s)!] Não sei se sou a mesma que acordou ontem, nem sei se fui trocada de noite por outra qualquer. Nem sequer sei se a minha alma recuperou do sonho que teve hoje de noite!, cogitou ela. Como poderia responder às perguntas da senhora?

Por vezes parece que todo o mundo conspira contra o que queremos. Ela, que não queria conversar, não naquele dia, parecia atrair todas as pessoas que tinham dúvidas por resolver, opiniões por ouvir, diálogos para manter durante horas infinitas. Ela apenas queria continuar a ler e a pensar sobre...

"Olá, posso sentar-me ao teu lado?", ouviu uma voz ao seu lado e uns olhos escuros e uma mão que apertou a sua arrastou depois uma cadeira antes de umas orelhas vermelhas do calor que fazia lá dentro ouvirem a sua resposta. Prendeu a voz com um gole de chocolate quente e tentou parecer simpática, mas mesmo que há instantes não o tivesse parecido tinha já atraído pessoas. Talvez não conseguisse ser desagradável o suficiente. Teria de fazer algum trejeito, mais... "Fumas?", ecoou a voz que interrompeu de novo os seus pensamentos. Acenou numa resposta negativa, mas estendeu um isqueiro que trazia sempre consigo na mala, pois pensava sempre em possibilidades catastróficas [porque lia demasiados policiais...] e gostava de andar prevenida. "Há quanto tempo conheces o...", deixou de ouvir completamente pois tinha-se dedicado de corpo e alma ao livro que tinha levado.

"Who am I then? Tell me that first, and then, if I like being that person, I'll come up: if not, I'll stay down here till I'm somebody else"--but, oh dear!' cried Alice, with a sudden burst of tears, `I do wish they would put their heads down! I am so very tired of being all alone here!"


"Happiness is a sad song..."

7 comments:

Anonymous said...

tens noção de que isto ficou maravilhoso? o.O
mas podias ter dito que não querias ir ao café... eu teria compreendido...

Anonymous said...

Minha cara amiga do peito. Vou deixar de ler o seu blog por me sentir demasiado ultrajado pela sua mestria descritiva e senso de humor peculiarmente irónico.

Sem mais...
Eu

Anonymous said...

"Begin at the beginning and go on till you come to the end; then stop." (Lewis Carroll)
Tens pontaria para o que lês.
Ai andas sempre com um isqueiro? No outro dia não tinhas e eu tive que entrar na churrascaria!!! -.-' ainda pensei que ele fosse usar o carvão do frango... quero dizer, as brasas...
brasas omg... não digo coisa com coisa hoje...

Mas gostei do teu desabafo... já não te custa tanto pois não?

Anonymous said...

tens mesmo a certeza que não sabes quem és?
hum... pergunto-me porque escreveste na 3ªa pessoa...

PostScriptum said...

Sabes que é muito interessante todos os dias surpreendermo-nos connosco? Parece haver sempre algo novo, um pequeno pormenor em que ainda não tinhamos repardo. Talvez os nossos olhos vejam apenas o que lhes impingem. Acredito nisso. Olhar como olhos de ver é algo que pouquissimas pessoas fazem.
Gosto das tuas reflexões.
Beijinhos

.diana.alves. said...

As tuas palavras são sempre um deleite para os olhos de quem as encontra. Hoje, ainda mais. Para mim. Gostinho especial pelo mundo encantado da Alice:)*

farfalla said...

Aliceluna... :)

i see you... the others... and you again with all the others inside :)

Gosto de te ler, também

e revejo-me, também...

_baci_