- Já te disse que gosto de ti?
- Hoje ainda não. Mas ainda vais a tempo.
Virei a cara à televisão. Hoje não é um bom dia para lamechices, principalmente porque acordei muito racional. É um daqueles dias em que vejo o resto do mundo como ele é, sem florzinhas nem passarinhos, apesar de os haver nos sítios por onde passo. Se aquele alguém me tivesse perguntado se já me tinha dito que gostava de mim eu simplesmente responderia que não, mas que não valia a pena dizer. Hoje acordei assim. Mais uma vez, talvez seja do tempo. Sinto o céu escorrer cinzento e o chão demasiado mole para aguentar o meu caminhar.
É parvo, é parvo, digo eu para mim própria e não para os meus botões. Falta-me um, que se deve ter descosido e a blusa não aperta até ao fim. Até fica bonito, penso eu, enquanto faço zapping. É frequente, muito frequente, adiar coisas que tenho que fazer dentro em pouco. Fiz isso ontem, a noite toda, para adiar o estudo. Nunca a sala estivera tão cheia e nunca esteve tanta gente em sintonia naquela sala. Vimos todos um filme, eu e aquela quantidade impressionante de gente. Todos nós temos exames, mas todos nós decidimos fazer uma pausa. Chegaram pessoas novas, pessoas interessantes, caras desconhecidas que me atraíram como um íman, como se fossem estrangeiros de um outro mundo. Há muito que não conversava com tantas pessoas ao mesmo tempo e há muito que não sentia aquela atmosfera descontraída. Eu, que tenho saído quase todos os dias à noite, para me refugiar com alguns amigos naquelas ilhas de solidão e sossego que vamos encontrando por aí.
E depois chegou aquela amiga, meio desconhecida, com dois bolos enormes porque já passava da meia-noite e o seu coração completava mais um ano de batimentos cardíacos. E cantámos todos aquela música que eu sempre detestei, e abrimos o champanhe como se fosse outra vez noite de passagem de ano. Comemos o bolo, mesmo com o filme mórbido que continuava a passar na televisão, com planos intercalados de momentos aterrorizantes que até há instantes nos tinha arrepiado e divertido e que agora passava despercebido devido às piadas das mesmas pessoas de sempre e devido às gargalhadas que todos dávamos. Foram breves momentos até começar tudo a descambar, mas aí as coisas ainda se tornaram mais animadas e há muito que não me ria assim de coisas tão estúpidas.
Os meus cd’s em cima da mesa foram alvo de chacota, mas sim, demonstrei com orgulho os meus gostos musicais dos quais ninguém partilhava e acabámos por dançar ao som daqueles acordes que eu conheço tão bem e que me fazem sempre tremer de emoção. Contudo, pouco tempo depois a sala foi-se esvaziando de sorrisos e as horas da noite falaram mais alto do que a vontade de ficar mais um pouco e, pessoa a pessoa, a sala quase pareceu maior de tantos de nós que foram para os seus quartos. Eu fiquei, com a companhia de sempre e, finalmente, comecei a estudar qualquer coisinha até os raios de sol romperem no horizonte.
Hoje o dia foi demasiado curto, porque muitas obrigações se impunham. Lá saí eu de casa, rumo a um sítio cujo caminho desconhecia. E a primeira pessoa a quem pedi indicações, uma mulher de olhos simpáticos que levava um ramo de flores na mão, soube-me dar as coordenadas todas e, aliás, levou-me quase até ao sítio. Pela primeira vez na minha vida falei mais do que a pessoa que me deu indicações. Costumo ouvir pacientemente estórias e histórias, momentos e episódios marcantes que as pessoas têm sempre na ponta da língua para passar a quem encontram. Gosto de andar de táxi, não pelo conforto de não andar a pé, nem pelo comodismo, mas pelos monólogos dos taxistas. Gosto de encetar conversas com aquelas velhotas solitárias que andam por aí, pelas suas experiências de vida. Hoje, pela primeira vez, fui eu que partilhei os meus pensamentos. Lado a lado, pelo passeio sujo, com aquela senhora ao meu lado que ia fazendo perguntas e mais perguntas, às quais eu respondia pormenorizadamente. Normalmente relato com precisão, mas sem detalhe. Digo apenas o essencial. Mas hoje não.
Talvez estivesse mesmo a precisar de conversar. Ou desabafar. Pela minha experiência de hoje, sabe muito melhor confessarmo-nos a um desconhecido do que a um amigo. Parece mais fácil, menos complicado. A senhora parecia realmente interessada e continuou a fazer perguntas, que incitavam a mais respostas. Sempre pensei que a minha vida fosse realmente aborrecida, mas pelos vistos enganei-me. Ao falar com a senhora apercebi-me de que sou propícia a acontecimentos estranhos e invulgares. E apercebi-me de que nunca me tinha apercebido disso.
Sim, podemos estar rodeados de muitas pessoas e mesmo assim sentirmo-nos sozinhos. Mas também nos podemos sentir demasiado acompanhados. Quanto a mim, cheguei à conclusão de que desde que as aulas terminaram tenho lidado com mais pessoas do que antes e que raramente tenho estado sozinha. Nestes últimos dias estive com muita gente, mas não conversei sobre mim com nenhuma delas. Simplesmente porque me esqueci e porque as suas estórias me pareciam sempre bem mais interessantes. E hoje senti-me aliviada depois de falar com aquela desconhecida.
Quando cheguei ao meu destino separámo-nos, talvez para sempre. Ela levou um pedacinho de mim com ela e eu pouco levei dela comigo. Foi realmente esquisito confidenciar com e a uma perfeita desconhecida, mas soube realmente bem. Há uma primeira vez para tudo. Mas parece-me que para além de primeira, vai também ser a última.
E lá fui eu para uma enorme fila de espera com um livro por companhia…
“Happiness is a sad song…”
11 comments:
Os desconhecidos não nos podem julgar tão bem quanto os nossos amigos. E mesmo que nos julguem, sabemos que não os vamos voltar a ver...
Quem é esse cantor que andas a ouvir???
Hum... bem, andamos muito saídinhas =p fachabôr de portar bem!
alegria! felicidade! é tudo o que pedimos, por favor! :P
beijinhos *
Sabe-me sempre tão bem deambular por estas tuas palavras...Mesmo. Tão lindas quanto sentidas tão sinceras...Gosto mesmo:)
Um beijinho*
Mais uma vez é uma delícia ler as tuas palavras. E talvez assim já seja uma forma (ainda que muito ao de leve) de desabafares com conhecidos.
Neste texto posso destacar 3 setimentos muito familiares: o facto de me sentir sozinha mesmo integrada numa multidão, o facto de me sentir aliviada quando falo com um desconhecido sobre mim (se bem que nunca directamente por causa desta minha máscara) e o facto de "inventar" desculpas ou afazeres para me virar para tudo menos o que tenho para fazer. Se não fosse assim, eu a esta hora estaria a estudar não achas?
Oh God make me good...
Beijinho e desculpa o testamento =/
WY
A música é um pouco como tudo na vida... há-que ser apreciada e não avaliada... por isso, não te preocupes com os teus gostos musicais :)
Um livro é sempre boa companhia ;)
Beijos
"Nunca estamos sós quando nos temos por companhia"... gostei deste blog e provavelmente vou voltar para conhecer pedacinhos de ti. Luna Tic até me inspira alguma confiança...
mais uma vez gostei do que li.
a vida realmente é um pouco como a música....
«ouve,aprecia e dança»
bj
Alguém com o seu sorriso bonacheirão, num tom ligeiramente irónico, me disse que gostava de sentir o vento nas mãos e a chuva nos olhos, enquanto a música ecoa pelas esquinas. Foi o momento mais poético que vivi. Apenas porque foste tu que mo proporcionaste. Continua assim Luninha. Não, não é uma despedida é um volto já. Vou sentir falta desse sorriso e da tua excentricidade. Sim, excentricidade e digo isto em público. Não precisas de jogar no euromilhões porque já és excentrica o suficiente. Mas não o suficiente para mim. Thank god for the internet. I can always talk to you through written words... there's no one better on words than you...
Sinto do teu leve sopro a certeza do meu amar...)*
"Fiz isso ontem, a noite toda, para adiar o estudo. "
Ai como te entendo... Chega a hora de estudar para os exames e estamos sempre muito ocupados com merda nenhuma... A vontade é sempre imensa... VIDA DE ESTUDANTE É DIFÍCILLLLL... :PPP
***MUAH*** vim retribuir a visita
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