quantos indecisos andam agora por aqui

Friday, March 28, 2008

Os últimos dias...

Não resisti ao cheiro das pipocas amanteigadas. Está lá sempre a mesma senhora, no carrinho vermelho e amarelo cheio de guloseias. Enquanto me sento num canto, recordo-me da sensação de estar em casa que ainda permanece comigo. Também me sinto em casa na estação de autocarros, assim como me sentiria num aeroporto ou em qualquer outro terminal. Sinto-me em casa quando estou rodeada por viajantes. Saboreio as pipocas e faço amizade com uma rapariga que deve ter a minha idade. É sempre assim, penso eu, de cada vez que estou sozinha naquela estação há sempre alguém que me aborda e mete conversa. Esta é chinesa e está cá há quase cinco anos. Parecemos amigas de longa data até chegarem os nossos autocarros.
Sento-me e suspiro. Estou muito à frente, no primeiro lugar que há. O motorista sorri-me, porque já nos vimos muitas vezes, e comenta sobre o tempo. Quando sinto o motor a rugir debaixo dos pés recosto-me, mas eis que permanecemos no terminal porque vem um rapaz a correr com as malas quase a escorregar. Quando entra, senta-se ao meu lado. Prefiro viajar sozinha. Quando começamos a andar parece que estou no cinema. À minha frente uma grande janela e a estrada até perder de vista, junto do horizonte. - Olá, és do Porto?- Não, mas passo lá a maior parte do tempo. – Que estranho nunca nos termos visto. – Sim. - Detesto chegar atrasado. - Também eu. – Chamo-me D. Conversa puxa conversa e falámos sobre mil e uma coisas. Preferia fechar os olhos ou ler o livro ansioso dentro da mala ou mesmo olhar pela janela, mas converso como se quisesse conversar e faço mais um amigo. Parece o primeiro dia de aulas ou um encontro de algum clube de filatelia.
Passam-se dias que sabem a instantes. Bolas, como o tempo passa. Depois de ter chegado fui jantar a casa da C. No dia seguinte trabalhinho. – Ficas com a notícia do Bolhão. Ah e já não te via há muito tempo, estás boa? – Estou, mas tenho mesmo de fazer isso?... sim, tenho, e não fazia a mínima ideia do que me esperava. Disse à Su para vir ter comigo. Psicologia não é assim tão diferente de jornalismo, penso, enquanto desço a rua a apanhar a chuva que nos quis pôr os cabelos a pingar e a maquilhagem borrada. As pessoas do Bolhão são boas gentes. Dizem o que têm a dizer. Quando entro dou nas vistas. Ninguém me conhece e eu não conheço ninguém. As pessoas são como uma só. Parecem funcionar como uma só. Tento apanhar informações sobre o assunto que me levou até ali. Devia ter-me preparado melhor. – Olá, de onde és? – Do jornal da faculdade de letras aqui do Porto. – Ah, do JPN? – Sim, isso! [não estou habituada a que reconheçam, por isso dei a explicação mais longa]. Não lhe perguntei de onde era. Ainda bem, porque não era jornalista. Penso nos ‘ses’. Se lhe tivesse perguntado de onde era tinha feito figura de parvinha. Ele era da organização da Plataforma de Acção Cívica do Porto. Parva, parva, parva. Apesar de tudo, senta-se quase à cabeceira e durante a conferência vai olhando para mim, talvez para se certificar de que tomo notas. Sorri e eu sorrio e pergunto-me porque razão nunca me dei ao trabalho de saber mais coisas sobre a situação do Bolhão. Chega um senhor. Olho para trás e pergunto ao homem por detrás de mim quem é o senhor que acabou de chegar. Olha para mim como se eu fosse um alien e responde – Joaquim Massena. Parva, parva, parva. Um dos arquitectos mais conceituados do Porto que disse frases que me arrepiaram e que fez um projecto para a reconversão do Bolhão. “Aquilo que foi feito durante muito tempo foi amordaçar os comerciantes”. Aponto e sei que vou destacar a frase. Talvez colocá-la na legenda da imagem. A Su, ao meu lado, estudante de psicologia disfarçada de jornalista sente-se constrangida. Não aponta nada e está quase a adormecer, que eu bem sei.
Quando dão por terminada a reunião fugimos. Tentei evitar o olhar do rapaz e imagino-o a olhar para o meu lugar e a vê-lo vazio. Subimos rua e vamos jantar. Enquanto comemos explico-lhe a situação do Bolhão e vou apontando coisas para não me esquecer. Mal posso esperar por chegar a casa e começar a escrever. Mas ficamos mais um pouco sentadas, a olhar para as pessoas a passar e a fazer planos impossíveis. Por vezes, somos demasiado utópicas. Por vezes, mas demasiadas vezes.

Ontem foi dia mundial do teatro. Depois de uma tarde chuvosa e triste, o grupinho do costume e mais alguns, jantou junto e preparou-se mais rápido do que o normal. De seguida fomos ao teatro ver o Turismo Infinito de António Feijó. É inspirado no Fernando Pessoa, que eu adoro, e destaca Álvaro de Campos, o meu heterónimo preferido, que foi representado pelo marido da Catarina Furtado, cujo nome me esqueço sempre. Ficámos nos camarotes do terceiro andar e ocupámos a fila inteirinha. O palco negro à nossa frente parecia sombrio e chamativo, mas quando os acordes da música ligeiramente nouvelle vague surgiram, deixámo-nos envolver pelos diálogos/monólogos sonantes e inebriantes e confusos como só Fernando Pessoa soube escrever, e quase parecia que estávamos no palco. Nunca tinha ficado naqueles camarotes. Nos intervalos pausados olho para a decoração e, como sempre, me lembro do fantasma da ópera por causa do ambiente gótico e das figuras semi-nuas nas balaustradas.
Saímos quase em transe. Ecoavam-me nos ouvidos as frases mais marcantes, que tentei não decorar, que tentei esquecer por serem demasiado autobiográficas. Fomos comer um gelado e conversámos até ao penúltimo metro. Depois fomos ao Gato Verde. Conversámos com uma especialista de gangas (eu disse que isto ia aparecer no meu blog!), que registou com clareza a evolução das tendências e dos tecidos, e por ali ficámos, a saborear cafés e capuccinos e rebuçados do “hawaii”, e a rir e a gozar com o riso dos outros (não foi?). E a ouvir música.

E hoje... hoje é sexta!

[adoro a parte do fim, no teatro, quando batemos palmas e ficamos com aquela sensação esquisita nas mãos, como se picassem ao de leve na superfície da pele...]


"Happiness is a sad song..."

4 comments:

m said...

Por vezes o que não gostamos/queremos fazer é o que nos cai na berlinda... e por muito que queiramos bilhardar sobre ouros assuntos, o que realmente tem que interessar dá voltas e voltas e mais voltas e acabamos sempre de tocar nele. Bah!

Teatro, teatro.. que saudades!

Beijinhos

Anonymous said...

Ahhh estás de volta à escrita... meu deus meu deus... tenho que ir contigo ao teatro, que não há ninguém que queira ir comigo...

P.S.: tenho que rever o fantasma da ópera

.diana.alves. said...

Muito obrigada pelo coment que me deixaste:)
Tal como já disse algumas vezes, também me revejo em muitas das tuas palavras. E isso, só por si - como se pouco fosse - faz-me ter um enorme prazer em passar por aqui e deliciar-me com aquilo que escreves. Que é lindo. Tal como hoje e tal como tudo o que está para trás:)
Um beijinho grande*

Carlos said...

Olá,
pensei que nos tinhas deixado.
É muito agradável ler-te e assim tornamo-nos parte das tuas «incursões».
O jornalismo é uma profissão apaixonante, dia após dia ,vais sentir isso mesmo.
Espero ,que se torne num «vício» e nós um público «agarrado».


beijinho
um bom fim de semana