crónicas soltas VI

o final do dia é a melhor altura do dia. não digo isto por se tratar do encerramento de uma jornada, mas por ser o desfecho da claridade e o começo da noite. o final normalmente arrasta-se por muitas horas, como se aproveitar todos os minutos fossem tornar mais longas as poucas horas que antecedem a madrugada, porque são sempre poucas, de facto, e são sempre fugazes. o dia morre no horizonte, mas a vontade de noite é maior do que a tristeza de ver o sol ou a luminosidade baça própria do inverno partirem. não, não é porque de noite não se trabalha - que às vezes as obrigações não escolhem horas - é porque nessa altura há mais tempo livre para dedicar às coisas de que gostamos. não sei se será de mim, mas as noites rendem mais, talvez não em quantidade, mas em qualidade.

os meus crepúsculos são dedicados ao rumorejar próprio do abrandamento, à sensação de tarefas cumpridas, ao planejar do dia seguinte, a revisões, a contentamentos. daí para a noite, surge a calma, mesmo que, por vezes, em quantidades reduzidas, e a felicidade de estar com quem mais gosto de estar, poder falar do dia que passou e esquecer que vai haver um dia seguinte - que o futuro deixa-me sempre os nervos em franja. mesmo que se fale de projectos a longo prazo, há sempre a impressão de que vai tudo correr bem, mesmo que a chuva futisgue os vidros e o frio nos incite a aninharmo-nos no calor, porque há tempo, vai haver tempo para tudo, porque o futuro parece tão distante - mesmo que não esteja.

é o ciclo do dia a terminar, os braços quentes, os beijos reconfortantes e a acalmia que fazem valer a pena o dia seguinte, como um recarregar de baterias mais crucial do que o sono. não há nada de mais reparador do que esquecer o cansaço num encaixe perfeito de braços e queixos no ombro de outra pessoa ou no calor que se forma entre os dedos quando há outros dedos nesse espaço - é que temos bastante espaço por entre os dedos para esse mesmo fim.

"happiness is a sad song..."