quantos indecisos andam agora por aqui

Saturday, December 08, 2007

Uma espécie de nada III

O Natal, o Natal. Luzinhas, cores [dourado, prateado, vermelho, branco], prendas, sorrisos, frio, "Jingle Bells" e "White Christmas", o "Sozinho em casa" e a consoada povoada de vozes que não cessam senão quando soam as badaladas e a meia-noite chega, e aí há os "oh!" e os "obrigada", os "ferrero rocher" da praxe, o quase fim daqueles calendários com um chocolate por dia, o miar do gato que se sente ignorado, o chorar do bebé que quer colo, as piadas [sou eu que as conto, são os outros que riem], os olhos a brilhar, o calor nos corações, azevinhos, bolo-rei, passas fora do tempo, roupas quentes, janela embaciada.

Os teus olhos estão iguaizinhos, mas mais cansados. Mas é Natal e tento esquecer. O cumprimento é o mesmo, o acenar é igual, as mãos estão mais vermelhas do frio, mas luvas ajudam, debaixo do mesmo céu, no mesmo sítio de sempre, o ponto de encontro de almas que têm muito que partilhar e [demasiado] pouco tempo para o fazer. E o tempo está bom, mas podia estar melhor, ainda não está frio, a chuva insiste em não cair, mas há nevoeiro. E a Rita está na mesma, com as mesmas conversas de domingo à tarde. E a loja está lá no mesmo sítio, por que nunca mais lá foste?, e como é que está o outro, aquele que tinha o cabelo desalinhado e vamos, vamos por favor, senão faz-se tarde.

É o Natal, é o Natal dizes tu, como quem apregoa uma época que veio depois de muito tempo. Mas com o aproximar do fim, toda a gente sente que passou demasiado depressa e isso sente-se na maior parte das épocas da vida. Sim, é o Natal, concordo enquanto olhamos para aqueles enfeites que devem custar fortunas nas contas da electricidade. O nevoeiro quase nos chega até aos ossos [mas eu exagero porque sinto um frio que vem de parte nenhuma e que invade o meu espírito].

E aquelas músicas todas, os filmes, o Pai Natal. Não me dizes que sim nem que não, apenas me puxas porque o semáforo nos dá permissão para atravessar a estrada. Branco, preto alcatrão, mais branco e mais preto. Um buraco aqui e ali e nós desviamo-nos. Sim, era Natal e isso sentia-se nas pessoas cheias de sacos de compras. Felizes? Aparentemente. Sacos de compras dão-nos felicidade, a mesma que termina quando se vê a conta bancária diminuir. Talvez não. Sabe bem comprar coisas para aqueles que amamos, lembranças e desejos. E isso não tem preço, porque os sorrisos não têm preço, assim como aqueles abraços que não precisamos de comprar.

Já estamos no café, aquele que fica na esquina e cujas janelas nos incitam a olhar para fora. Mas não olhamos porque estamos demasiado concentrados na conversa adiada e adiada, e temos à nossa frente aquele café que nos assalta os sentidos com o seu aroma e nos embriaga com o seu sabor ligeiramente amargo e demasiado saboroso para ser real. E perguntas-me se está tudo bem e porque tenho uma nuvem de tristeza no meu olhar e eu respondo que não faço de propósito, que é da época, que apesar disso está tudo bem. E tu replicas que não, não está tudo bem, porque no Natal temos de estar felizes, porque podemos fazer coisas boas sem nos recriminarem por estarmos a ser bonzinhos. E eu faço por conter as palavras [e as lágrimas] e digo que não quero mais café, porque não consigo andar nas ruas sem sentir o espírito que não é o natalício, que não é o mesmo que sentia há cinco ou seis anos, que não é o mesmo que sinto dentro de casa, dentro do meu quarto [aquele onde está a gaveta das lembranças], que não consigo sentir senão repulsa por todos aqueles sorrisos que me fazem quando entro numa loja como se estivessem a pensar "ah, mais uma que vai comprar um presente" e detesto o ressoar das músicas natalícias em paredes sujas, frias e vazias.

Vá, vá, bebe café para te aquecer, e sim o Natal está diferente, mas nós não, somos os mesmos. Somos? Somos sim, tu continuas com os cabelos negros e os olhos perspicazes e a curiosidade de quem quer ler as melodias que guardo no coração, eu continuo calmo e ocupado, com a mesma precisão em anular encontros importantes da agenda para ir a encontros mais importantes ainda. Não, há qualquer coisa que mudou. O sítio onde estamos, as chávenas do café, a mobília ou as cortinas. E sim, o Natal.

Mudou mas continuamos aqui, para sentir o aroma natalício e criar novos aromas. Não é para isso que servimos. É tudo assim tão fácil?, pergunto. Não, não é. Só o digo para te fazer sentir melhor, dizes tu.

[obrigada...]



[por aí enquanto o senhor Natal insiste em esconder-se... acompanhada ou só, ao menos é bonito de se ver...]


"Happiness is a sad song..."

6 comments:

Anonymous said...

Obrigada eu.

Anonymous said...

Já tinha perdido a esperança de um post para hoje, mas foste boazinha e mais uma vez brindaste-nos com esta obra-prima. Não sei como consegues juntar poesia à rotina de um encontro [i wonder...]
Obrigado Luninha, por seres assim.

Anonymous said...

Gosto dos teus textos de agora, porque mostram muito mais do que mostravas antes (e se calhar mais do queres mostrar)... é a tua alma que vejo nas palavras...

.diana.alves. said...

Post perfeitinho:) gostei muito da transmissão de sentimentos, por mais indirecta que possa parecer...Sente-se o que escreves. Optimo:)*

Anonymous said...

Porque o Natal é assim... feito de alegria, de melancolia... Lindo!

Beijo e bom fim-de-semana

m said...

Está bastante engraçado. Divertido até!
Beijinhos